A Caloura!
Pela manhã abriu um céu de brigadeiro, nem uma única nuvem no horizonte. Sol abrasador! Enfim, Guaratuba ressurgiu das cinzas! Belisquei meu braço direito para saber se era verdade ou mais um daqueles meus sonhos estranhos.
Doeu. Sim, a chuva foi embora, o Dilúvio disse adeus. Cantei de alegria e ao que parece o cachorro mal humorado do vizinho não gostou e passou a latir sem cessar, parei e ele parou. Meu vizinho canino foi um estraga prazer. Emudeci. Olhei a piscina, mas resolvi não entrar, estava um sol de rachar e de queimar a pele.
Fiquei embaixo do guarda-sol e só aguentei cinco minutos. Suei em bicas. Fui para a varanda da frente de casa e me refestelei numa confortável poltrona e passei a apreciar o movimento da rua. Gosto de ver pessoas passando, indo e vindo, pois fico imaginando sobre seus futuros.
Sejam adultos, idosos ou crianças minha imaginação não deixa de projetar um tipo de vida para cada uma delas, mesmo sabendo que tudo não passa de uma simples brincadeira. De vez enquanto volto à leitura do meu livro.
Fiquei absorto na leitura e só me dei conta da realidade quando ouvi gritos vindos do interior da casa da frente. Aguçou minha curiosidade. Só não me perturbei porque eram gritos de alegria, com muita gargalhada e bater de panelas.
De repente saíram varias pessoas do seu interior atrás de uma moça muito jovem, que logo identifiquei como sendo uma das netas do dono da casa.
Ela parou na calçada e daí começou a quebrar ovos nos cabelos da jovem, jogaram farinha de trigo, pintaram o seu rosto de batom e logo percebi que era o ritual de um trote.
- Passou no que? Foi à pergunta que eu fiz.
- Faculdade de Fisioterapia da Federal!
- Muito sucesso e felicidades!
- Obrigada! Ela respondeu e o trote continuou. Os pais, tios e primos pintaram e bordaram para “enfeitar” a nova caloura. Que legal, pensei: o descortinar de uma nova vida, cheia de sonhos e esperanças. É o momento em que se escancara a porta do futuro e onde a pessoa começa a dar o primeiro passo para a vida profissional. Fiquei tão entretido com aquela alegria contagiante dos vizinhos que nem me dei conta da chegada de nuvens negras que logo cobriram o céu de brigadeiro. E começou a chover. Continuei olhando o trote e na medida em que a chuva ia aumentando os familiares da moça foram entrando na casa até que só ficou ela para fora. Fecharam a porta e a caloura ficou sozinha no meio da calçada, como uma franga ensopada. Foi o ponto alto do trote. Enquanto eu ouvia os gritos de gozação da família dela, que dava para ouvir saindo pelas janelas da casa, eu dava risada da cena. A moça não perdeu o rebolado e passou a dançar na chuva, sem se importar com nada. Ela sabia que era uma vitoriosa, isto bastava para torná-la feliz. Só quando começou a trovejar é que a porta foi aberta e ela entrou em casa. Permaneceu a chuva, que não parou mais. Só assim é que por alguns instantes eu acabei esquecendo que estava em Guarachuva. Então abri meu livro e continuei lendo...
“Disputar um vestibular e ser aprovado é uma alegria que contagia a família e os amigos do novo calouro. É o laurel simbólico de uma luta disputada palmo a palmo. Nesta hora até dançar sob o ritmo da chuva é momento de inesquecível alegria!”
Edson Vidal Pinto