A Grande Honra.
Sou de uma geração que prestou serviços à Justiça e viveu intensamente o cotidiano forense nas cidades do interior do Paraná.
As carreiras de Promotor de Justiça e de Juiz de Direito fazia com que seus agentes tivessem longos anos de aprendizado nas trincheiras das pequenas, médias e grandes comarcas para só daí então poderem chegar com grande custo a entrância final e única que era Curitiba.
E residir em cada uma destas cidades era obrigatório não importando a distância da capital. Daí a mulher e os filhos acompanhavam seus maridos (ou o marido e os filhos acompanhavam a esposa) onde quer que eles fossem designados.
E nem sempre existia casa para abrigar o núcleo familiar, pois eram poucas as propriedades oferecidas para locação. Valia tudo para atender as exigências da lei, até “morar” em pensões sem estruturas e casas sem nenhum conforto. Vou escrever sobre as velhas pensões em dois episódios distintos e verdadeiros, apenas para que os leitores possam palidamente imaginar as dificuldades dos velhos tempos da água de poço, estradas de lama e sem telefone residencial. No primeiro episódio eu fui um dos protagonistas.
Em 1.973, quando era Procurador-Geral de Justiça o Dr. Acyr Saldanha de Loyola deixei a Comarca da Lapa para assumir a titularidade da Promotoria de Siqueira Campos, no Norte Pioneiro. Eu era casado e tinha um filho com um pouco mais de um ano de idade; e assim fui com a cara e coragem para a nova comarca. Quando cheguei fui informado que não tinha casa oficial, nem casa para alugar e muito menos casa para comprar.
Sem opção acomodei a família em uma pensão de viajantes, num quarto sem banheiro privativo, pois este estava situado nos fundos do corredor dos demais quartos com pia para lavar o rosto e escovar os dentes. No horário de expediente forense enquanto eu ia para o fórum minha mulher e meu filho ou ficavam no quarto ou saiam para passear na praça, localizada na frente da pensão. E na hora de dar banho no bebê tínhamos que entrar embaixo do chuveiro, pois quando eu o segurava minha mulher aproveitava para enxaguá-lo.
E para enxugar o rebento o chuveiro tinha que ser desligado. Dificuldade que durou sete longos meses até minha remoção para a comarca de Faxinal. E como eu outros colegas passavam iguais transtornos ou piores, para cumprirem os rigores das respectivas carreiras. E não foi fácil trilhar e chegar ao final da jornada. E agora para amenizar, vou narrar o segundo episódio.
Se para os homens era difícil imagine para as mulheres Juízas e Promotoras. Lembro da Promotora Neide Menarim, de saudosa memória, quando assumiu a Promotoria da Comarca de Mallet e foi morar em uma velha pensão de madeira cujo banheiro tipo “casinha” fora construído no terreno dos fundos. Ela não disfarçou seu constrangimento.
A proprietária, uma polonesa de idade avançada, muito observadora, de imediato procurou amenizar a situação. Deixou por instantes a novel Promotora sozinha e logo retornou com três belíssimas peças de porcelana: uma jarra, uma bacia e um pinico todos pintados com flores do mesmo tom.
- Doutora - disse a mulher com ar de satisfação - Este conjunto será muito útil para a senhora não sair à noite, nem pegar friagem e chuva.
A Promotora meio sem graça agradeceu a gentileza. Daí então a dona da pensão com muito orgulho acrescentou:
- Ademais doutora a senhora terá a honra de usufruir do pinico que só foi usado há dois anos, quando aqui se hospedou a nossa última Juíza!
E a vida era tocada para frente a fim de vencer as engrenagens das carreiras escolhidas por homens e mulheres com ideal de servir à Justiça!
“Sei que no início nenhuma profissão é fácil. Só quem não teve experiência de vida por ter encontrado facilidades pela modernidade e a tecnologia, não consegue avaliar o quanto as gerações passadas tiveram dificuldades para desbravar os caminhos que os jovens profissionais percorrem. E o respeito é o mínimo que se espera como forma de reconhecimento. Nada mais!”
Edson Vidal Pinto