A Lapa E Sua Gente
Embora filho de lapeana e quase nascido naquela terra histórica e de tradições morei em três ocasiões distintas na cidade : quando recém-nascido; depois como Promotor Substituto ; e finalmente casado e pai de um filho, quando retornei e fui Promotor de Justiça da Comarca. Na adolescência minha mãe fazia com que eu participasse da procissão de São Benedito, meu Santo devoto, percorrendo algumas ruas com os demais fiéis, rezando e portando vela envolta em cartolina para não apagar.
Meus avós maternos e tios (seis ao todo) também nascidos no local sempre lembravam nas conversas fatos e acontecimentos de suas juventudes quando moradores na “Terra dos Heróis” , portanto aprendi a ser lapeano sem ter nascido na cidade. Na última vez morei por dois anos e acredito que tenha deixado boas lembranças porque na minha despedida fui homenageado com jantar no salão do clube local onde compareceram mais de cem pessoas. E nunca recebi nenhuma visita em todo o tempo que morei na rua Cel. Eduardo Corrêa, atrás da Igreja Matriz do padroeiro Santo Antônio. Pois bem. São poucas as cidades brasileiras que tem memória de guerra ou conflito armado.
O município foi marcado pelo episódio conhecido como “Cerco da Lapa” na época do governo Floriano Peixoto quando rebeldes federalistas do Rio Grande do Sul avançaram com suas tropas em direção a então capital do Brasil e por vinte seis dias , travaram intensa batalha ao encontrarem resistência dos militares sediados na cidade, sob o comando do Gal. Antônio Ernesto Gomes Carneiro que foi morto antes da cidade capitular. Foi uma vitória de Pirro, pois os rebeldes depois foram vencidos pelas tropas legalistas. Mas dito fato histórico em si faz parte do sentimento patriótico e ordeiro que caracteriza a gente da região, pessoas de palavra e temperamento forte.
E por lá nasceram pessoas ilustres que nesta crônica vou citar apenas duas delas : Ney Aminthas de Barros Braga cuja biografia de respeitável homem público vive na memória dos paranaenses e dispensa comentários; e David dos Santos Pacheco. Este último foi um dos mais ou quem sabe o maior tropeiro do país, com tino comercial arguto foi quem idealizou e criou o entreposto de engorda do gado em sua fazenda na Lapa, fazendo com que os animais criados no Rio Grande do Sul para serem vendidos no interior de São Paulo pudessem ficar abrigados por algum tempo no local e não perdessem peso que representava perda de dinheiro.
Foi também político e agraciado pelo Imperador com o título de Barão dos Campos Gerais. Em 1.972 como Promotor de Justiça e integrando uma Comissão de voluntários para festejar o natal da cidade da Lapa, fomos visitar a fazenda do Barão, de propriedade de uma sua bisneta residente no Rio de Janeiro e administrado por um engenheiro agrônomo que residia no local. O objetivo da Comissão era emprestar a carruagem do Barão para desfilar atrelada em um cavalo pelas ruas da cidade e levando o Papai Noel para a alegria das crianças. Ela estava intacta, tendo nas portas laterais o brasão da família Pacheco e no desfile programado foi um espetáculo à parte.
Tivemos acesso aos livros da fazenda mantidos pelo então guarda-livros que anotava e identificava cada animal que entrava e saía do entreposto das tropas, bem como, as identificações dos escravos que acantonavam na propriedade. A fazenda era quase toda ela plantada e com pouca pecuária. Ela está localizada bem no alto da “serra” existente entre o distrito de Mariental e a porta de entrada do Sanatório de São Sebastião. E sabe qual a situação da fazenda hoje dia ? Foi invadida pelos Sem Terras e literalmente depredada. Com certeza os livros históricos e a carruagem do Barão não existem mais.
E dias atrás este mesmo movimento de vândalos começou a dar o ar da graça fazendo terrorismo sem que nenhuma autoridade reagisse ou que o Ministério Público tivesse requisitado a instauração de inquérito policial. E pensar que esta mesma Instituição está pedindo que os cidadãos de bem defendam a sua autonomia para poder cumprir com seus deveres, sem medo de que seus agentes sejam punidos …
“A história de uma cidade e seus personagens ilustres fazem parte do patrimônio da Nação. Olvidar da História é não ter memória é o mesmo que ter nascido sem respeitar seus antepassados.”
Édson Vidal Pinto
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