A Morte do Poeta.
Bem que o Criador poderia diferenciar os poetas dos demais seres humanos e acrescentar no Código da Vida que eles seriam os únicos que teriam vida eterna, para espargirem com suas sensibilidades e sentimentos latentes os segredos de amar, sofrer e acarinhar o próximo. Sim porquê são os poetas e mais ninguém que transformam os nossos momentos em paz e nos aproximam um pouco mais de Deus. Nos versos de cada um deles uma cascata de palavras que soam harmoniosamente sobre os corações mais insensíveis para torná-los iguais a gente.
É por isto que admiro e reverencio todos os poetas. Quando aluno do curso primário do Grupo Escolar Alba Guimarães Plaisant, anexo ao Instituto de Educação do Paraná da rua Emiliano Pernetta, guardo até hoje a imagem de Helena Kolody - a poetisa - descendo as escadarias da porta principal do colégio sempre cercada e admirada pelas suas alunas normalistas embevecidas com suas aulas e declamações que inspiraram gerações de meninas-moças. Mas dona Helena vive nos corações de quem sabe e aprendeu com ela o que é o amor.
E há dois dias atrás um outro poeta nos deixou para morar nas estrelas, Thiago Homem de Mello, um típico caboclo amazonense, que dentre seu acervo de poesias escreveu o “Estatuto do Homem” que é uma primor de conteúdo porque ensina rimando tudo o que se espera dos seres humanos dentro do contexto da existência. Foi um literato, diplomata e defensor intransigente da Amazônia e de sua gente batalhadora. Vou narrar um episódio acontecido no Governo FHC, no salão de eventos do Ministério da Justiça em Brasília, quando era titular da referida pasta o Min. Nelson Jobim numa solenidade de assinatura da Lei que proíbe o trabalho de menores de 14 anos, cujo autor foi o petista Hélio Bicudo, então deputado federal de São Paulo.
No ato oficial estavam presentes o Presidente da República, alguns Ministros de Estados, Secretários de Estados da Justiça (dentre estes eu estava presente), defensores de menores do MP dos estados, representantes de ONGs e outros convidados. Na ocasião usaram da palavra o dr. Hélio Bicudo, o Min. Jobim e o FHC, para em seguida o presidente com sua assinatura sancionar referida Lei. Foi quando a plateia ouviu alguém gritar : “Senhor Presidente, quero usar da palavra!”
Parecia brincadeira que alguém quisesse quebrar o protocolo da cerimônia; vi que era um homem de estatura mediana, cabelos brancos, tez amorenada, vestido com camisa de manga comprida e calça da cor branca, com um cachecol azul no pescoço e calçando sandálias branca. E lhe foi autorizado falar.
O Homem foi em direção ao palco, subiu os degraus onde estava o Presidente da República, aproximou-se do microfone e disse :
- Senhor Presidente : meu nome é Thiago Homem de Mello, sou poeta, amazonense e brasileiro. O senhor sabia que ao assinar essa Lei decretou a morte de minhas crianças que moram nas margens do Rio Amazonas e de todos os seus afluentes ?
Silêncio sepulcral da plateia. Pensei : “Meu Deus, que é esse homem ?” E ele continuou:
- Sim, porquê na minha região a criança de cinco, seis e até catorze anos de idade quando está pescando na margem do rio ou sozinho numa canoa não está brincando, ele está na verdade trabalhando para levar peixe para casa para a família poder comer…
Confesso que intimamente vibrei com o que ouvi porque não sou contra o trabalho do menor de catorze anos, desde que não comprometa sua saúde e integridade física.
E assim o poeta continuou sua peroração sem ser interrompido até o final. E quando terminou foi aplaudido em pé. foi assim que ocorreu na promulgação desta Lei que está em vigência até hoje. E quando li o falecimento do poeta Thiago lembrei de sua participação no episódio que contei e não poderia deixar de reproduzir nesta crônica. Com certeza ele continuará vivendo nas minhas memórias pelas poesias que escreveu e pelo destemor que só o poeta tem de não se importar em quebrar protocolos oficiais, quando as pessoas tiverem de ouvir a verdade …
“Respeito e admiro mais os poetas do que os escritores porque eles escrevem com a alma e muito mais do amor. A diferença está na sensibilidade humana, cuja diferença entre o poeta e o escritor está no cuidado de escolher palavras certas para tocar fundo no coração”.
Édson Vidal Pinto