A Réstia de Sol
Acordei pela manhã e vi uma pequena réstia de luz do sol iluminar um minúsculo espaço do quarto de dormir, como se estivesse tentando ultrapassar o grosso pano do blecaute e o fino tecido da cortina da janela, e não sei porquê meu pensamento me transportou para a cidade de Umuarama onde morei com a família por quatro maravilhosos anos.
A residência era uma confortável casa de madeira, localizada na Av. Rio de Janeiro há poucas quadras do Supermercado Planalto, nas imediações da praça onde iniciava as duas pistas de ida e vinda da Avenida Paraná, principal via do centro da cidade. A casa pertencia à Prefeitura Municipal e se destinava à residência oficial do Promotor de Justiça, atendendo preceito de lei estadual que para a criação de Comarcas exigia como condição indispensável residências para moradias de Juízes e Membros do Ministério Público. Na verdade existiam quatro casas, duas para Juízes e duas para Promotores, cuja ocupação ocorria em razão da antiguidade na Comarca pois no total éramos dez agentes da Justiça por existirem cinco Varas no fórum.
Na casa onde morava tinha jardim e um imenso quintal em cujo espaço aproveitei para fazer um puxado nos fundos onde passamos a fazer as refeições, pois o calor era constante. Logo após construí uma piscina para o deleite da família. Um dia recebi a visita do “seo” Julinho, o meu vizinho, um rico pecuarista porém um homem simples e trabalhador que era dono de três grandes fazendas de gado, uma no Município de Umuarama e outras duas no estado do Mato Grosso. Ele queria conhecer a piscina para construir uma no quintal da sua casa e desde então nos tornamos ótimos amigos e daí começamos a jogar baralho (truco) sob o puxadinho, com participações de dois Juízes ( Airton José Saldanha e Edison Luiz Trevisan) e outros vizinhos, dentre estes um motorista do caminhão de lixo da Prefeitura que era uma pessoa de extrema bondade e educação. O jogo de truco era chamado de “douradão” pois jogavam ao todo oito jogadores ao mesmo tempo ou seja quatro contra quatro. Minha mulher sempre fazia um bolo que era servido com laranjada natural. Ficou uma tradição de toda a sexta-feira à noite, das 20:00 até 23:30 horas.
Para melhor conforto o “seo” Julinho me presenteou com uma mesa de madeira nobre extraída da árvore de uma de suas fazendas e com dois bancos, que acomodavam tranquilamente 14 pessoas. Era uma noite aguardada por todos pois havia muita conversa e histórias para boas risadas. Certa noite o “seo” Julinho chegou com semblante de tristeza e pouca conversa o que não era o seu hábito, no início ninguém fez nenhum comentário mas num determinado momento o dr. Trevisan quebrou o gelo e perguntou:
- Seo Julinho, aconteceu alguma coisa ?
- Sabe doutor, aconteceu sim …
Paramos de jogar e ficamos ouvindo o desabafo do nosso amigo, que vou procurar resumir em poucas linhas. Ele disse que numa de suas fazendas no Mato Grosso ele tinha um amigo fazendeiro que era seu vizinho de cerca, que precisava vender com urgência a sua propriedade para quitar um financiamento bancário e lhe ofereceu para comprar. Não queria aceitar o negócio mas depois de muita insistência do amigo acabou comprando a área e pagou um pouco acima do valor da região.
O vendedor pediu para permanecer na casa da fazenda por alguns meses tendo concordado e foi a pior coisa que aconteceu. Neste lapso de tempo ocorreu alta significativa do preço do alqueire em toda a região e seu amigo achou que tinha perdido muito dinheiro na venda da propriedade e passou
a hostilizá-lo nas conversas com terceiros. Daí a mágoa do “seo” Julinho. E a réstia de sol ? Ah, ele então para desabafar comentou que no dia em que comprou a fazenda do seu amigo e quitou o negócio à vista quando foi visitá-lo na sede da sua nova propriedade foi recebido, por ele, como uma réstia de sol, espargindo luz de esperança, agradecimento e felicidade.
Contudo, depois que ocorreu a alta dos imóveis, a sua visita não era mais uma réstia de agradecimento mas, sim, reflexo da figura de um homem malvado e aproveitador. Foi por isto que a réstia de luz do meu quarto me levou para bem longe, quando senti saudades daqueles meus amigos que eram réstias de pura amizade, camaradagem e união. Sinceramente espero que a “minha” réstia de luz que vi no meu quarto seja para trazer boas notícias, ótimos sonhos e muita saúde para os meus e os amigos que orbitam meus pensamentos …
“Na simplicidade da vida no interior do estado entulhamos nossa mochila, como itinerantes, com cenas e histórias que habitam nossa memória. Gosto de contar “causos” desse cotidiano e principalmente lembrar momentos com pessoas que aprendemos a amar e respeitar.”
Édson Vidal Pinto