A Solidão do Juíz
As pessoas muitas vezes não sabem nada sobre a carreira do Juíz de Direito e atualmente pelos comentários que ouve acha que ele é um indivíduo prepotente, rico, que sabe tudo mas serve para pouca coisa. Com os comportamentos estranhos dos atuais integrantes do STF e comentários levianos que todos eles fazem de fatos que poderão julgar, estremeceu o respeitoso tratamento que os jurisdicionados dispensavam às autoridades Judiciárias.
Claro que dentro de qualquer carreira profissional na Magistratura também tem as frutas podres que destoam da grande maioria de seus integrantes, a ponto de macular a Toga que vestimos. E o Concurso Público de ingresso na profissão infelizmente não impede que os levianos, preguiçosos e mal intencionados alcancem o laurel da aprovação -, mas com certeza a maioria é composto de vocacionados que fazem da Justiça seus apostolados de vida. Hoje com a tecnologia a serviço da sociedade o computador e o telefone celular diminuíram as distâncias e colocaram as pessoas dentro do campo de conhecimento; os fatos acontecidos em qualquer parte do globo chegam em fração de minutos àqueles que estão ligados na rede de informática.
O mundo se tornou uma aldeia da qual todos os seres humanos estão interligados não importando a distância e nem o tempo. Mas nem sempre foi assim. Lembro de cinquenta anos para cá quando iniciei minha jornada como Promotor de Justiça pelos fóruns das Comarcas do interior do Paraná, quando então conheci Juízes de verdade que zelavam por tudo que faziam pois sabiam que eram respeitados pelas suas condutas, discrição e sapiência. Numa época em que o salário era miserável e o dinheiro do vencimento quase não era suficiente para terminar o mês, mas havia o pudor de não contrair empréstimos bancário para preservar a própria privacidade. Ninguém tinha carro do ano, morava em casa alugada, trabalhava em fórum de madeira e raramente de alvenaria, com a única chance de se afastar da comarca no período de férias forense.
A maioria das cidades e estradas não eram asfaltadas o que dificultava muito as idas e vindas à Capital. Os livros de direito eram comprados com o suor do trabalho e as obras preferidas eram de ensinamentos práticos. Pois a maioria era autodidata pois aprendia a arte de ser operador do Direito na medida em que a necessidade apertava. Nenhum Juíz tinha título acadêmico de Mestre, Doutor ou de Pos-Doutorado pois estes só eram conseguidos na Europa e ninguém tinha dinheiro para financiar e muito menos o Tribunal patrocinava tamanho gasto. Hoje em dia estes cursos são realizados em Universidades em todo o Paraná. Só a nova geração de Magistrados é que tem o privilégio de usufruir da capacitação acadêmica para também lecionar no Magistério Superior.
Situação sequer sonhada pelos Juízes de ontem que se dedicavam exclusivamente ao trabalho forense, árduo e penoso pelas poucas Comarcas que tinha, número reduzido de Juízes e enormes e intermináveis pilhas de processos para destrinchar. Sem falar que não existia televisão, o telefone era apenas de fio e a luz elétrica um Deus nos acuda, pois um simples relâmpago apagava a retransmissora de energia elétrica. E o Juíz vivia enclausurado no seu gabinete de trabalho sem ninguém para ajudá-lo, excepcionalmente uma ou outra sentença era datilografada por um empregado do Cartório do Cível. Os despachos de expedientes ou decisões interlocutória proferidas nos autos eram feitos de próprio punho. Lembro que em 1.968 fui designado pelo Procurador-geral de Justiça dr. Ary Florêncio Guimarães para fazer um Júri na Comarca de São João do Triunfo, pequeno lugarejo localizado entre as cidades de São Mateus do Sul e Palmeira, era inverno com frio intenso e muita chuva. Durmi em uma pensão de madeira e a noite fiquei imaginando que tinha chegado no fim da linha (Para não fizer no fim do Mundo).
Logo pensei no Juíz titular e no Promotor titular que moravam naquela triste localidade (época que era obrigatório que ambos residissem na Comarca) pois além do serviço forense ser pouco não havia nada para fazer. E de madrugada dava para ouvir os gritos dos animais e no amanhecer o canto do galo acordando o único hóspede que queria dormir mais um pouco.
Fiz o júri e no dia seguinte retornei para a sede de minha Promotoria na Comarca da Lapa. Três ou quatro meses depois fiquei sabendo que o Juíz de São João do Triunfo dr. Carlos Lunelles Marcondes tinha sido acometido de uma grave depressão e se suicidara em sua residência. Na época também fiquei sabendo de um outro Juíz da Comarca de Jaguapitã, cujo nome não consigo lembrar, que tivera o mesmo fim. Tudo por causa da solidão pois os Juízes evitavam o quanto mais podiam o contato mais próximo com os jurisdicionados em atenção ao dito de “quem fala o que não deve; ouve o que não quer”.
Tudo para preservar a respeitabilidade de sua Toga. Bem diferente do momento atual em que nada daquilo que se fazia está valendo, pois os tempos são outros, as condutas, os trajes, o palavreado e o comportamento público tem seu próprio livro de procedimento. E com certeza os antigos advogados sabem muito bem que estou dizendo a verdade, pois apesar dos pesares nenhum deixou de ser atendido no gabinete e com o respeito que merecem …
“É fácil destratar e desconsiderar os Magistrados hoje em dia pelo mal exemplo daqueles que integram o STF. Mas é necessário sempre separar o joio do trigo. Cometer injustiça com crítica pejorativa para toda uma classe de profissionais não engrandece moralmente nenhum ofensor.”
Édson Vidal Pinto
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