A Verdade Nua e Crua
Tive a feliz oportunidade de ter vivido intensamente a vida pública e por isto me considero protagonista e as vezes testemunha de fatos que é de total desconhecimento da grande maioria das pessoas. Pudera, pois ingressei no Ofício Publico aos 14 anos de idade como menor e dele só me afastei compulsoriamente ao completar 70 anos, período em que exerci relevantes cargos comissionados junto ao Poder Executivo e outros de caráter vitalício, em razão de minha carreira profissional quando iniciei como Tarefeiro Nível 1, do Quadro de Servidores Públicos (ganhando 1 salário mínimo por mês), depois como Promotor de Justiça e Procurador de Justiça do Ministério Publico e terminei como desembargador do Tribunal de Justiça.
Nesta crônica vou contar o episódio de quando resolvi deixar o cargo comissionado de Diretor-geral da Secretaria de Estado da Segurança Pública para retornar ao Ministério Público. Estive na referida secretaria no período do governo Álvaro Dias quando foi titular da pasta o então Procurador de Justiça Antônio Lopes de Noronha, exemplar cidadão e honrado homem público, que me convidou para ser o seu substituto legal como Diretor-Geral. Permaneci no cargo por três anos e dois meses quando pedi minha exoneração, contrariando a vontade de meu amigo Noronha que insistiu pela minha permanência até o término do mandato do governador. Agradeci mas por motivo de ordem pessoal mantive minha decisão.
O motivo ? Será o pano de fundo desta minha crônica. Tudo caminhava muito bem na secretaria sob a batuta eficiente de um Secretário de Estado que dominava como poucos os problemas agudos do setor coordenando com mãos firmes as ações das Policias Civil e Militar em todo o estado. Foi uma época em que o MST estava em efervescência invadindo propriedades particulares produtivas e destruindo tudo que encontrava pela frente, agindo acintosamente contra a lei. Era um verdadeiro bando de guerrilheiros desocupados a serviço de uma fação ideológica que ainda objetiva afrontar a ordem e a paz social. Numa dessas empreitadas criminosas o MST invadiu uma área de reflorestamento pertencente à uma empresa especializada, afastando os funcionários mediante ameaças com armas de fogo, foices, porretes e facões para ficarem assentados na rica propriedade.
É claro que a empresa proprietária ingressou com as medidas judiciais cabíveis pretendendo a imediata reintegração do imóvel turbado para evitar que toda a plantação fosse dizimada. O Juiz da causa de pronto concedeu liminar para restituir a área invadida à autora, determinando que a desocupação fosse efetivada pelo Oficial de Justiça com auxílio da Polícia Militar. Eu fui encarregado de providenciar as condições logísticas e financeira para dar o devido cumprimento a ordem judicial. Coube à PM elaborar o planejamento estratégico para a desocupação.
Neste lapso de tempo foi que recebi no meu gabinete um ilustre professor de direito da USP, então advogado da reflorestadora, que ofereceu toda logística necessária para retirar os invasores da área, inclusive propondo pagar a comida dos militares destacados para a missão. Claro que a ajuda viria a calhar e facilitar (em muito) as despesas do erário tão necessárias para o deslinde do caso. Na oportunidade respondi ao Advogado que estava sendo ultimado o planejamento da PM e uma vez concluído a decisão judicial seria cumprida. Ele agradeceu e terminamos a nossa conversa. O tema da reunião foi levada ao conhecimento do Secretário que gostou muito da ajuda oferecida. Dias depois o planejamento formulado pela PM chegou e o Secretário pediu a devida autorização do governador Álvaro Dias para dar cumprimento a ordem judicial. Os dias foram passando e do Palácio Iguaçú não chegava nenhuma resposta. Fiquei incomodado porque como Promotor de Justiça eu sabia que decisão de Juiz deve ser cumprida e ponto final.
O Noronha foi então falar com o governador e este lhe disse que seria temerário cumprir a decisão pois muitos invasores estavam assentados na propriedade e poderia resultar num confronto com a PM, com resultados imprevisíveis. E se negou em dar a autorização de desocupação da área invadida. O Secretário então me transmitiu a conversa que teve com o Álvaro Dias. Eu fiquei indignado com a situação. O Advogado da firma ao tomar conhecimento de que o planejamento da PM tinha sido concluído e remetido à secretaria há muito tempo, retornou ao meu gabinete. Fiquei envergonhado ao atendê-lo e mais ainda quando lhe transmiti que o governador se negara a cumprir a decisão do Juiz. Li no seu rosto a sua frustração e quando ele deixou meu gabinete fui diretamente falar com o Secretário e lhe transmiti o meu pedido de exoneração do cargo.
Foi o motivo pelo qual no dia seguinte reassumi meu minhas funções como Promotor de Justiça titular da 1a. Vara Criminal de Curitiba. O porquê do Juiz não ter honrado o cumprimento de sua própria decisão não sei explicar, sendo certo, também, que o Requião quando governador nunca autorizou nenhuma desocupação de área invadida. Aliás ele próprio, anos depois, com auxílio de um capataz incentivava que sem tetos invadissem áreas públicas da Prefeitura da Capital para perturbar a administração do prefeito Greca. Daí sim, as decisões judiciais foram todas cumpridas sendo que em uma delas o capataz referido foi preso e eu era o Secretário de Estado da Justiça. Um outro episódio inusitado e cheio de lances de bastidores, que me reservo para contar num outro dia …
“Eu mesmo como Presidente do TRE descumpri decisão monocrática do Toffoli, só que ela era tecnicamente inexequível. Mas decisão de Juiz, quando perfeita e legal, deve ser cumprida sem choro e nem vela. Pode até ser alvo de criticas, mas jamais ser olvidada. Cabe ao Juiz zelar com rigorosa fidelidade a respeitabilidade de sua jurisdição.”
Édson Vidal Pinto