Adeus Mestre René
Não dá para dizer muito quando um ser humano maravilhoso morre para entrar na história onde só figuram os grandes juristas do Estado do Paraná. Não dá para escrever quase nada porque ele deixou um legado de escritos e estudos que bem refletem a sua vida de livre pensador, amante inveterado das letras, um democrata como poucos e defensor intransigente da liberdade, da ordem e do progresso. E tentar agradecer a herança de seus memoráveis ensinamentos e exemplo ético, na singeleza de uma crônica, é querer demais.
Por isso vou escrever apenas lembranças que guardo na memória de nossos encontros como única maneira de poder homenagear o ilustre professor. Desde o tempo que cursava Direito na Puc ( 1.963/67) eu já ouvira falar em René Ariel Dotti -, então professor da UFPr. que trabalhava no escritório do Prof. Vieira Netto e já era considerado um criminalista respeitável e um ótimo orador no Tribunal do Júri. Meses depois de minha formatura ingressei na Carreira do Ministério Público e fui residir no interior do estado somente retornando à Curitiba em abril de 1.980.
Na época carregando experiente bagagem profissional na área criminal como Promotor de Justiça fui então titular da 1a. Vara Criminal, quando então conheci pessoalmente o dr. René. Ele quase sempre na defesa dos acusados e eu na acusação tivemos embates acadêmicos duros, porém éticos e cordiais. Foi quando aprendi a admirá-lo como homem, cidadão e jurista. Mesmo depois de deixar as minhas atividades na referida Vara Criminal os nossos encontros foram sempre afetivos e lhanos.
Nosso reencontro nas lides do Direito Penal aconteceu quando eu era Procurador de Justiça e atuava junto a 1a. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, quando então oralmente (em campos opostos) defendíamos cada qual nossos misteres. E nossa amizade e respeito só cresceu. Estive como convidado na posse do Prof. René quando ele assumiu uma Cadeira reservada aos juristas na Academia Paranaense de Letras, quando brindou a plateia com um de seus mais notáveis discursos. Nos encontramos tempos depois compondo uma mesma equipe de governo.
Com a posse de Álvaro Dias como governador do estado o mestre René foi nomeado Secretário de Estado da Cultura e eu Diretor-Geral da Secretaria de Estado da Segurança Pública, quando nossos encontros foram mais constantes. Lembro de um episódio acontecido na sua época de Secretário de Estado quando teve que enfrentar a burocracia pública. Quebrou o trinco da fechadura do seu gabinete e ele mandou um funcionário consertar. Os dias foram passando e nada de consertarem o dito cujo trinco. Então aborrecido chamou o funcionário e perguntou o porquê de o trinco não ter sido consertado.
O servidor meio sem jeito explicou que era necessário licitar para efetuar a compra da nova fechadura, pois a lei exigia a devida “tomada de preço”, empenho, etc, etc. De pronto o professor colocou a mão no bolso tirou algumas notas de dinheiro, entregou ao funcionário e mandou ele comprar a fechadura estragada. Ele não estava acostumado com a burocracia do serviço público. Depois do magistério superior foi o primeiro e único cargo que o professor exerceu na esfera do Poder Executivo estadual. E por acaso do destino fui guindado ao Tribunal de Justiça como um de seus desembargadores, anos depois pela vontade e expressiva votação de meus pares fui presidir o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná.
Depois de aposentado recebi um telefonema do dr. René me convidando para comparecer em seu escritório na rua XV de Novembro. Nem perguntei o motivo do convite pois jamais poderia deixar de atender o pedido de um amigo tão querido. No dia e hora que ele marcou compareci no seu escritório. Depois de uma longa conversa relembrando nossos embates e fatos relacionados com a nossa amizade, ele com humildade de sempre me pediu que eu o orientasse sobre a vida do Juiz Eleitoral, a credibilidade da urna eletrônica e lances que eu entendia necessário para uma melhor legislação da área.
Depois de esgotado o assunto fui me despedir e ele disse que fazia questão de me acompanhar até a saída do prédio. Assim descemos juntos pelo elevador e só nos despedimos quando estávamos na calçada da rua. Este foi o amigo e Prof. René Dotti que foi morar nas estrelas e deixou em mim uma saudade imorredoura. Até um dia querido mestre, até um dia ...
“Tem pessoas que nunca morrem porque sempre serão lembrados pelo seu legado de amor, educação, cultura e de exemplo às gerações. O Prof. René foi um ser ungido por Deus que deixará lembranças perenes àqueles que como eu tiveram o privilégio de usufruir de sua amizade.”
Edson Vidal Pinto
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