Anos Dourados
No início de 1969, fui designado para substituir o titular da Promotoria da Comarca de Rio Negro, Dr. Luiz Alberto Machado, pois este fora lotado no gabinete do então Procurador Geral de Justiça professor Ary Florêncio Guimarães, na capital do estado. Na época, eu era promotor substituto da Secção Judiciária da Lapa, que compreendia Lapa, São Mateus do Sul e São João do Triunfo. Sai da Lapa no meu Volkswagen, sedan, usado, e fui a Rio Negro pela estrada de chão batido passando por Campo Tenente até pegar a BR2, nas imediações do distrito de Quitandinha, jurisdição daquela Comarca.
A cidade de aspecto bucólico, ruas asfaltadas e outras de paralelepípedos, casas de estilo colonial, muito bem alinhadas, uma das poucas construções de dois pavimentos era o fórum situado em lugar nobre e próximo da Igreja Católica. Trafegavam pouquíssimos carros e caminhões e pouca gente nas ruas. A maioria das casas estava de janelas abertas com as cortinas balançando ao ritmo do vento.
Era uma típica manhã de verão. A cidade terminava no Rio Negro que corria imponente no seu leito natural circundando os limites com o Estado de Santa Catarina. Duas pontes ligavam a cidade vizinha de Mafra- Estado de Santa Catarina, a mais antiga de ferro que servia de passagem para o trem, veículos e pedestres; e a outra ponte estava sendo construída de cimento armado, larga para passar dois veículos ao mesmo tempo e também pedestres.
A construção estava bem adiantada e era considerada uma redenção para o comércio de ambas as cidades. Mafra tinha quase as mesmas dimensões de Rio Negro e a mesma tradição. Parei meu carro na frente do Hotel Rio Negro, também construção de dois andares, localizado na entrada da ponte de ferro e ao lado do rio. Naquele tempo os ônibus da Penha e da Cometa que faziam os trajetos Rio-Porto Alegre e São Paulo-Porto Alegre e vice-versa, eram obrigados a entrar na cidade de Rio Negro e parar no hotel em que me hospedei, para que os passageiros pudessem fazer as refeições.
Dia e noite, sem parar, chegavam e saiam passageiros de todas as partes do país. Eram poucos hóspedes, mas o movimento de pessoas era intenso. O proprietário se chamava Bruno Gagala, ele também era dono de outro hotel similar na cidade de Registro divisa entre o Paraná e São Paulo, portanto vivia percorrendo de quando em quando ambos os estabelecimentos. Mas sua esposa e filhos moravam no Hotel paranaense. Fui alojado em um quarto no andar superior com banheiro privativo. A janela propiciava vista para o rio e a ponte de ferro.
Saindo pela porta da frente estava a rua do cinema e do comércio local. Tudo muito fácil e nas mãos para quem começava a viver na nova cidade. Na hora do almoço reparei que no restaurante do hotel os pratos e talheres eram de primeira linha. Estes, pesados e de boa marca, funcionários bem apresentáveis e muita ordem e asseio em todos os ambientes. Era um lugar de categoria. Semanas depois ali também se hospedou o desembargador Oliveira Sobrinho , corregedor geral da Justiça e o seu assessor Munhoz de Melo que procederam correição na comarca. Era Juiz o saudoso Dr. Fernão Stokler Simões Portugal que anos depois encerrou sua carreira como Juiz de Menores de Curitiba.
Na ocasião dos serviços correcionais o Corregedor foi recepcionado com um jantar da família forense, autoridades e a sociedade local nas dependências do Clube Rionegrensse. Minha designação naquela Comarca durou quase sete meses e lembro como se fosse hoje que no final do expediente forense eu acompanhava o Dr. Fernão em longas caminhadas pela cidade. Homem afável e inteligente, pude dele absorver boas e inesquecíveis lições de vida. Foi lá em Rio Negro que fiz o júri mais inesquecível da minha carreira de Promotor , quando "enfrentei" o grande mestre José Rodrigues Vieira Neto, filho daquela terra. Experiência de tirar o fôlego.
Mas esta é uma outra história que contarei em outra ocasião. Nesta crônica prefiro apenas retratar um período dourado da vida profissional vivido em uma cidade que guardo doces recordações. A atividade profissional exercida nas cidades interioranas moldava a tempera do Juiz e do Promotor de Justiça preparando-os para grandes tarefas e desafios. Pena que atualmente a passagem da grande maioria destes profissionais pelas pequenas e médias cidades seja tão efêmeras que nada puderam absorver nas suas bagagens e muito menos têm lembranças para contar ... Não sabem o que perderam!