As Crianças Traquinas de Ontem.
Ah! Na minha meninice como era bom brincar com os amigos de “mocinho” e “bandido”, “soldados” e “índios”, de guerra, Viking, pirata, andando sobre cavalo imaginário na “pradaria” atrás do Edifício Banco Hipotecário Lar Brasileiro, da Avenida Iguaçu, onde funciona a “Sorveteria Formiga”.
Era um campo que ia até a Av. Getúlio Vargas, com inúmeras plantações de mamona, árvores, terreno acidentado, que servia de cenário perfeito como nos filmes de cowboy. Todos nós tínhamos revólveres, cartucheiras, rifles, metralhadoras, da marca “Estrela”, e o tiroteio corriam à solta. Engraçado que depois de adultos, ninguém se tornou violento e nem bandido.
E quando chovia a brincadeira era dentro de casa, com brinquedos de plástico, índios e soldados, com seus cavalos e um forte onde os militares ficavam alojados. A imaginação era sacudida de todos os lados, para movimentar a tropa e fazer os índios atacarem numa batalha que era verdadeira carnificina.
Engraçado, ninguém ficou com desvio de conduta e nem com traumas depois de participar destes massacres. ““No início da televisão os filmes imperdíveis da molecada eram: Patrulheiros Toody”, “Rintintim”, “Lassie”, “Aventuras do Fundo do Mar”, “0s Intocáveis”, Flypper”, “Bat Masterson”, “Zorro” mas ninguém deixava de brincar ao ar livre, jogando futebol, brincando de “pega-pega”, “31”, “Cela”, bafo, bola de gude, raia e uma infinidade de outras brincadeiras que só a imaginação alcançava.
Era uma vida lúdica e prazeirosa. Brincadeiras de mau gosto? Claro que tinha, eram “artes” elaboradas às escondidas, em que os pais só tomavam conhecimento depois de feita. Dentre tantas, lembrei-me de uma delas. Ali mesmo na Av. Iguaçu, vindo do centro em direção ao antigo “Bairro dos Bancários”, antes de chegar na rua Bento Viana, morava o Sr. Avelino Vieira, dono do Banco Bamerindus. Nossa turminha brincava na sua casa com seu saudoso filho Luiz Antônio, que se fosse vivo teria hoje a minha idade. Éramos todos inseparáveis.
O Luiz Antônio sempre queria ser o índio de nossas histórias. Um dia ele sugeriu que deveríamos brincar de fazer pontaria com estilingue. Tinha tantos terrenos vagos na região, mas ele escolheu o quintal da sua casa. Ideia genial e convidativa. Pura malandragem. Aproveitamos a ausência dos seus pais e irmãos, quando estavam apenas as duas empregadas da casa.
Éramos cinco meninos entre dez e doze anos de idade, cada um tinha seu próprio estilingue e pelotas feitas de barro, para serem arremessadas. Eu coloquei uma garrafa de gasosa vazia, sobre um caixote.
Seria o nosso alvo. Mas o Mário Costa Schon, também de saudosa memória, sugeriu um alvo bem melhor e apontou um gato de um vizinho que estava passando tranquilamente sobre muro que dividia a propriedade com outra, provavelmente com o dono do bichano. Mal o Mário terminou de falar, o Luiz Antônio desferiu com seu estilingue um pelotaço contra o pobre animal e acertou bem na cabeça.
O pobrezinho não chegou nem a miar e caiu do outro lado do muro. Curiosos subiram em uma árvore do quintal e vimos o gato estatelado no chão.
Bateu o desespero geral.
Fazer o quê agora? O remorso chegou tarde. Não pensamos duas vezes, demos no pé e só paramos na mureta do Hospital Maternidade Victor do Amaral. E o Luiz Antônio estava junto. Ficamos conversando, assustados, e pensando nas consequências.
No dia seguinte o Luiz Antônio nos pediu para irmos até a sua casa por que o Sr. Avelino queria “conversar” conosco. Ele nos deu um sermão de uns quinze minutos, na presença da dona do gato. Foi uma lição que valeu para toda a vida. Mas nem por isto nos tornamos perigosos e nem delinquentes.
E hoje? Crianças brincam de aparelhos eletrônicos, servem de modelo no WhatsApp com camiseta contendo o rosto do Bolsonaro, com os dizeres “Ele Não”, sem saber porque seus pais lhe incutem ódio contra quem eles nem conhece; vivem em grupos amontoados dentro dos shopping, brincam de namorar precocemente, usam maquiagem, não largam do celular e aprendem na escola tudo que não deve.
Claro que existem exceções, assim como a morte do gato que não foi pretendida por ninguém, muito menos pelo Luiz Antônio.É pena porque a imaginação deixou de existir, a vida está sendo encarada com realismo, a violência assusta e a insegurança prolifera.
Nossas crianças estão menos solidárias, não sabem brincar, fazem bullying com os amigos, não conversam com os avós, tios e primos. As famílias estão se dissolvendo, muito materialismo e quase nada de Deus. Pobres crianças mimadas de hoje, e pensar que têm uma vida longeva pela frente. E amanhã quando olharem para trás, não vão poder contar muita coisa sobre a infância, pois esta se restringiu num mundo cercado de aparelhos eletrônicos e nudez explícita...