Até o Sol Apareceu
Há muitas décadas atrás o dia de ontem era respeitado por todos e os cemitérios de Curitiba estavam lotados de pessoas que tudo faziam para reverenciar os seus mortos. O dia amanhecia chuvoso e nuvens escuras pairavam no ar até o anoitecer. As poucas emissoras de rádios que funcionavam só tocavam músicas clássicas, o comércio não abria, o Passeio Público amanhecia com os portões fechados, dentro de casa as famílias procuravam falar em voz baixa e as Igrejas estavam abertas com celebrações de missas e orações coletivas.
Os mortos eram respeitosamente lembrados e todos os seus familiares faziam questão de colocar flores nos túmulos, acender velas, com muito choro e saudades no coração. Nas imediações do Cemitério Municipal como no Cemitério da Água Verde não tinha lugar para estacionar os carros, as floristas e ambulantes eram os únicos que aproveitavam para faturar pois o fluxo de pessoas eram muito grande num revezamento que só terminava quando os sinos dos respectivos Campos Santos tocavam no final da tarde, para anunciar que estava na hora de fechar.
Era um dia especial e único onde o silêncio da cidade se sobrepunha ao barulho costumeiro. E hoje ? Bem diferente do que era antes pois os cemitérios estão depredados por vândalos e ladrões de túmulos, percorrer seu interior é sempre um risco por absoluta falta de segurança, considerando que são poucas as pessoas que ainda visitam os locais onde seus entes queridos estão sepultados, pois a tradição cedeu espaço para o lazer e a diversão. Não falta mais lugar no entorno dos cemitérios para estacionar os veículos e até os ambulantes minguaram.
Àqueles que se foram as vezes são lembrados, salvo pelos que os amaram de verdade, pois quem ama nunca esquece. O dia dos mortos atualmente é apenas mais um feriado para viajar ou passear nos parques da cidade -, dei uma volta de carro com minha mulher no Parque Barigui, local onde resido, e tinha milhares de pessoas e os estacionamentos todos lotados. As churrasqueiras ocupadas, as pistas para andar e correr congestionadas, pessoas sentadas na grama, umas tomando garapa outras água de coco, ciclistas circulando com suas bikes num louco frenesi , gritos, música e muito agito. Sinal de um novo tempo onde as pessoas querem aproveitar todos os momentos sem se importarem com nada, desde que estejam bem.
E os pais, avós, irmãos, tios, primos e amigos que um dia fizeram parte de suas histórias nada mais são do que o passado, pois o mais importante é estar vivo. E é assim que caminha a humanidade com encontros e desencontros, com muito desamor no ar e falta de respeito ao próximo onde vale tudo para alcançar a felicidade mesmo que esta seja efêmera. Os laços com pessoas que faleceram as vezes são lembrados na hora do maior aperto e logo esquecido quando a tempestade passa, pois a morte foi banalizada e os valores éticos e morais estão cada dia mais perdendo o verdadeiro sentido. Por isso o sentimento de perda logo é substituído por qualquer outro prazer e quem morreu pouco é lembrado.
Talvez por tudo isto os dias sombrios tão normais do Dia dos Mortos também tenha ido embora e dado espaço para o sol que brilhou ontem à tarde toda…
“Quando a lembrança de alguém que morreu cai no esquecimento e não é mais reverenciado, traduz a desimportância do mesmo no seio familiar ou a falta de amor de quem está vivo. Pois só quem amou de verdade sabe que o sentimento de gratidão e respeito nunca acaba.”
Édson Vidal Pinto
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