Belos Dias!
Como é gostoso o domingo, primeiro dia da semana, normalmente reservado para o descanso e o lazer. No ócio sempre aparece aquele momento para pensar, viver em família, dar asas a imaginação e recordar no álbum da vida um tempo que ficou para trás. De repente, surge um caleidoscópio de nostalgia quando me deparei com meu violão encostado na parede, instrumento que ouso dedilhar por teimosia e amor a música. Como tantas outras pessoas de vez em quando abuso dos ouvidos daqueles que me ouvem tocar e cantar, ansiando por um só minuto de glória, que sabidamente é reservada a poucos ungidos pelos deuses da musicalidade. Evidente que não estou neste rol. Não tiro meus olhos do meu violão e admiro a simplicidade de suas formas, as seis cordas de aço, a parte oca no centro de sua estrutura para dar a devida percussão sonora, e logo me vem na memória o poema de Guilherme de Figueiredo, cujo trecho mais representativo é sensível, diz:
"Ah! O violão!
O violão que carregas no
peito,
tem a forma,
tem o jeito,
quase perfeito,
do coração!"
Só o poeta na pura sensibilidade de sua alma é capaz de traduzir o que o violão representa para o ser humano. Instrumento marginalizado até a metade do século passado porque era tocado por boêmios e desocupados, mas que aos poucos foi conquistando espaço até ser aceito pela sociedade. Nos tempos de minha juventude, era quase sempre nas tardes de domingo, nas reuniões entre rapazes e moças de um mesmo bairro, nas festinhas dançantes, é que por magia aparecia um violão que contagiava a todos e dava espaço à cantoria até a festa terminar.
E as serenatas? Como era gostoso esperar a noite cair, a madrugada chegar, para despreocupadamente caminhar pelas ruas da cidade, acompanhado de amigos e rumar em direção da casa da "menina dos sonhos" e próximo de sua janela cantar e tocar canções de amor sem fim. Como eram prazerosos estes momentos. Às vezes, o encanto era quebrado pelo latido de um cachorro, pelo guarda noturno que apitava na rua, pela viatura policial que passava por perto, e pelo temor que aparecesse o pai ou a mãe da mulher amada! Quem nunca vivenciou um momento igual, com certeza passou pela mocidade, mas não viveu.
Não me esqueço dentre meus amigos um em especial, o Fernandinho, filho de proeminente político da época o Major Fernando Flores, portador de deficiência visual, mas exímio violonista. Certa noite, fomos fazer uma serenata para uma moça que ele era apaixonado. Ela morava no terceiro andar, de fundos, de um prédio de apartamentos. Entramos por um terreno baldio, contíguo ao prédio. Meu amigo estava abraçado com meu violão da marca "Di Giorgio" que eu comprara com muito custo, mas era o único instrumento disponível. O local está escuro como breu, caminhávamos devagar, o terreno era acidentado. Fernandinho tropeçou em uma "caixa de madeira" que estava cheia de cal, areia e água e mergulhou nela como um pato. Respingou cal para todos os lados e o meu violão foi esmagado pelo peso de seu corpo. Ele só conseguiu se levantar sendo ajudado. De pé estava todo branco como uma alma penada! A gargalhada foi geral a ponto de acenderem as luzes da janela do apartamento do primeiro andar. Nós saímos correndo. Meu violão destroçado foi parar no lixo.
Tudo era diversão, despreocupação e alegria. Época de uma Curitiba civilizada, onde as pessoas se conheciam, dava para andar pelas ruas à noite, a pé, com segurança. E como era gostoso estar reunido com os amigos embaixo de um poste iluminado, tocando violão ou jogando conversa fora. São lembranças de um domingo de outono, que pode também ser traduzido pelas frases esparsas de uma música de Roberto Carlos: "... velhas tardes de domingo; quantas alegrias, velhos tempos, belos dias ...".
E de sonho em sonho , de lembrança em lembrança, a vida de cada um deixa rastros indeléveis e um baú de saudades !