Cadê Minha Dentadura?
Sabe quando dá vontade de reformar o apartamento sem tentar sair de dentro dele? Pois é, está acontecendo comigo. E tudo começou quando minha mulher propôs substituir todos os móveis da sala, que é relativamente ampla, por um mobiliário mais leve e moderno.
Contei os tostões e topei a parada. Saímos e compramos os móveis. A projetista da loja fez uma amostra no computador de como ficaria o ambiente colocando dentre dele os móveis comprados e daí me estrepei todo. Concordei com minha mulher que as paredes estavam necessitando de pintura, os tapetes não combinava, a varanda precisava de um novo piso e o mármore do chão estava sem brilho. Sem falar no lavabo que mereceria novo papel de parede.
Ah, esqueci-me do projetor pendurado estrategicamente no teto que estava fora de moda. Cutuquei o fundo do colchão e descobri mais alguns tostões, com arrojo concordei com as novas despesas. Na euforia esquecemos-nos de um sofá grande que sentamos para assistir televisão.
Suas cores não sintonizavam mais com os padrões do mobiliário:
- Precisamos reformar nosso sofá!
Olhei para o móvel e logo pensei que para cobri-lo seria preciso pelo menos um quilômetro de tecido; meu bolso ficou estreito e apertado. Peguei o porquinho de plástico que servia de cofrinho para por moedas, joguei o mesmo no chão e elas se espalharam pela cozinha.
Contei uma por uma e no final respirei aliviado: mandei modernizar o sofá! A partir daí fiquei rezando para que nada mais faltasse ou precisasse fazer ledo engano. A pintura teria que ser em todo o apartamento e não só na sala. A sugestão tinha lógica; mas precisavam ser mudados os trincos das portas, colocar mais um aparelho de ar condicionado na sala e substituir as cortinas.
Ofegante pensei no meu querido amigo e colega do Ministério Publico Dr. Antônio Saul Benedetti Maggio, com quem trabalhei na Comarca de Umuarama, pois todas as vezes que ele fazia um compra ou celebrava um negócio, dizia:
- Sem usar sutiã número 90, ninguém consegue chegar a lugar nenhum!
Pois bem, como quem está na chuva não tem mais medo de se molhar, pensei no sutiã do Maggio e autorizei os novos gastos. Parece que a tortura de pagar está diminuindo de ímpeto, só que agora que começou para valer as reformas o meu espaço está ficando cada vez menor.
Meu escritório está entulhado e minha amada poltrona devidamente ocupada por dezenas de objetos. Não consigo nem alcançar meus livros e nem assistir minha televisão exclusiva.
Estou me sentindo como se estivesse no forte Álamo cercado de soldados mexicanos por todos os lados. Nem consigo dormir direito e estou tendo pesadelos dos mais variados. Sonhei até que fiz uma lambança no Clube Curitibano quando demiti metade dos funcionários a revelia da diretoria.
Foi uma encrenca para mais de metro. Acordei com o pijama ensopado. De olhos abertos me dei conta de que nem sou sócio daquele conceituado clube.
E agora o pior: minha mulher pediu para deixarmos nosso apartamento:
- Como? Sair de casa?
- Sim, pois os pintores estão chegando e com o pulmão que você tem é melhor irmos para um hotel!
Senti que não tenho como discutir e nem implorar. Sinto que o Vezozo do Hotel Bourbon vai ter mais um par de hóspedes por alguns dias. No resumo da ópera ouso escrever que o meu imóvel está pior do que casa de família americana tem objetos soltos e jogados por todos os lugares.
Minha única preocupação no momento é saber onde está meu par de dentaduras que tirei para dormir e coloquei dentro de um copo com água, sobre o criado mudo, e hoje de manhã quando acordei não vi mais nem o copo, pois no seu lugar tinham vários vidros de remédios:
- Onde estão minhas dentaduras? - Perguntei.
- Não sei, veja se não estão na gaveta...
Abri a gaveta, olhei seu interior, remexi tudo que estava dentro e não encontrei. Sai para o corredor e vi um dos pintores que me deu um largo sorriso. Não pude corresponder por motivos óbvios. Voltei para o interior do quarto e não vi mais minhas “chapas”.
Desgostoso deitei na cama e mesmo com raiva cochilei. De repente acordei e fiquei pensando naquele pintor que sorriu, seu sorriso tinha algo que não me era estranho.
Dei um pulo da cama:
- Putz, o desgraçado do pintor com certeza está com minhas dentaduras!
Me deu vontade de sair do quarto para arrebatar a força minhas duas “chapas”; mas equilibrado, contei até dez. Daí então mais calmo, pensei comigo mesmo:
- Pombas, já me levaram todos os tostões que eu tinha e eu vou me aborrecer por umas dentaduras usadas? Ora, claro que não, já que foram os anéis dos dedos um tiquinho do dedinho não vai fazer falta nenhuma. Vou ser otimista: pode até ser que assim eu chegue a Presidência da República...
“Encontrei no almoço o meu querido amigo Prof. Afonso Antoniuk e quando lhe contei que estava reformando o meu apartamento, ele com toda sapiência riu e disse: “- Reforma serve para briga de casal!” Não é o meu caso. Mas se alguém precisar de um pintor posso indicar um, que tem um sorriso muito parecido com o meu!”
Edson Vidal Pinto