Certa Tarde em Carlópolis.
Sábado, 04 de março.
Como é final de semana nada melhor do que recordar um pouco e lembrar um fato guardado na memória. Em 1981 o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Antero da Silveira foi eleito por seus pares e assumiu o cargo de Corregedor Geral do Ministério Público. Homem de temperamento forte e muito disciplinador me convidou para o cargo de Promotor Adjunto da Corregedoria e acabei aceitando a difícil tarefa.
O trabalho da Corregedoria era fiscalizar as atuações dos Promotores de Justiça e avaliar os serviços que prestavam nas Varas da Capital e nas comarcas do interior do estado. Cabia, também, recomendar e corrigir a cada trimestre as cópias dos pronunciamentos jurídicos prestados nos processos judiciais, pelos Promotores Substitutos e os não vitalícios.
As viagens de correições eram habituais, cansativas pelas distâncias percorridas de camioneta Chevrolet, modelo caravan, lembrando que poucas estradas eram asfaltadas e que não faltava pó e nem lama. Em uma dessas viagens fomos à comarca de Carlópolis, cidade localizada na divisa do Paraná com São Paulo, entre Joaquim Távora (PR) e Fartura (SP).
Na época estava sendo construída a Usina Hidroelétrica de Xavantes (SP) cuja comporta principal estava represando as águas dos Rios Paraná e Jacarezinho alagando grande área de terras do Município de Carlópolis entre outros. A parte então alagada do município era superior em extensão e Volume de água há da baía de Guaratuba. Nós tínhamos chegado à noite anterior e ficamos hospedado no único hotel da cidade.
A correição realizada no fórum levou o dia inteiro. O Dr. Juiz da comarca desdobrou-se para nos colocar a vontade a fim de que pudéssemos ter acesso a todos os processos e inquéritos policiais em trâmite, mas quando tinha oportunidade de falar fazia questão de dizer que a represa estava cheia de peixes de todos os tamanhos e que seu hobby era pescar. Conversa vai e conversa vem lá pelas tantas ele convidou o Corregedor Geral para pescar, logo após o término do trabalho.
O Meritíssimo disse que o dono de um barco de alumínio estava pronto para nos levar a pescar ou ao menos para conhecer a beleza do lugar. Convite que foi aceito. O motorista da Corregedoria de nome Vicente, era um negro, parrudo, de cabelos brancos, respeitoso e muito alegre que nos levassem de camioneta até o local indicado para o embarque.
Estávamos de roupa de trabalho, terno e gravata. Tiramos o paletó e a gravata. Pronto, estávamos vestidos para pescar!
Antes o Dr. Antero convidou o "seu" Vicente para nos acompanhar e ele mais do que depressa descartou:
- Não gosto de represa! Tenho medo, ela é muito traiçoeira...
Demos risada.
- Que nada, olhe que sol maravilhoso só, não tem vento e a água não tem onda!
- Agradeço, vou aguardar no carro.
Subiram no barco além do seu proprietário, o Dr. Juiz, o Dr. Antero e eu. Na primeira hora na água tudo transcorria as mil maravilhas, o piloteiro desviava muito bem as copas das árvores que saiam da água, o motorzinho tinha um mesmo som ritmado.
De repente começou a ventar e encrespar a superfície da água, o barco começou a balançar desconfortavelmente. No céu surgiram nuvens negras e o piloteiro consultou se não era melhor voltar. O perigo era iminente. Sem qualquer outro aviso caiu à escuridão da noite. Começou a chover e o vento aumentou o tamanho das ondas.
Que peixe que nada, que passeio coisa nenhuma, a vontade de todos era voltar do lugar que saímos. Mas, para onde mesmo? Para onde a gente olhasse não enxergava nada, muito menos a margem da represa. Escuridão absoluta.
O dono do barco para piorar a situação disse que tinha esquecido a lanterna.
- Lanterna? Para que? (fui eu que perguntei).
- Para não bater nas copas das árvores (ele respondeu).
Dai é que caí na real. Não tinha lembrado as árvores. Estávamos no mato sem cachorro! Nem gritar adiantava. O barco continuou em velocidade moderada quando de repente um barulho seco. Batemos na copa de uma árvore cheia de galhos! Por muito pouco o barco não afundou.
O piloteiro conseguiu se desvencilhar do obstáculo com muito custo e prosseguimos sem rumo. Surgiu uma luz no horizonte. Ela acendia e apagava. O dono do barco disse que ia à direção da luz, pois só assim teríamos chance de chegar à margem da represa. A chuva não parou. E quando nos aproximamos da luz identificamos os faróis acesos da camioneta da Corregedoria, que o motorista acendia e apagava.
Graças ao "seu" Vicente pudemos respirar aliviados. Molhado até os ossos prometi nunca mais "navegar" de barquinho por nenhuma represa, rio ou canal de esgoto. Por coincidência encontrei nesta tarde o Dr. Vilmar Machiaveli, o então Juiz de Direito de Carlópolis. Ele é meu vizinho pelos lados do Champagnat (Barigui). Só espero que ele nunca me convite para andar de barco pelo Parque Barigui! Não, mesmo!