Cinema de Bairro
Claro que não me refiro aos Cines Guarani, Flórida e Morguenau que eram casas de espetáculo para fins comerciais e que tentavam se rivalizar com cinemas tradicionais localizados no centro de Curitiba. Mas dos espaços improvisados elaborados por amadores e que serviam de deleite para os moradores da vizinhança.
Na minha infância tive o privilégio de ter feito parte de um publico que assistia filmes que passavam no sábado à noite num barracão de madeira construído para essa finalidade no terreno da serraria de meu tio Emílio Merlin, casado com a irmã mais velha de minha mãe de nome Juvelina (tia Negra) Stinglin Merlin.
Meu tio tinha uma madeireira “Merlin & Irmão” em sociedade com seu irmão Ermelino Merlin, localizada na Av. República Argentina há uma quadra onde começa a Rua Santa Catarina. Um dia o sobrinho de ambos de nome Remi Merlin comprou uma máquina profissional de projeção de filmes e convenceu os tios a construírem o barracão de madeira, com bancos para servirem de assento a fim de poder passar filmes no local. E foi atendido. Daí todo o sábado à noite o Remi ficou encarregado de passar os filmes e o local passou a ser atração no bairro. Ele alugava as fitas e rateava o custo com os frequentadores.
Ao todo mais ou menos sessenta pessoas se reuniam para assistir na tela seus artistas com filmes produzidos pela MGM, Columbia, Universal, United Artists, RKO, Atlântica, Vera Cruz, Pal Mex e outras companhias do gênero, sempre precedido de um noticiário da semana e um seriado do Batman, Super-Homem ou do Falcão Negro. Meus pais, outros tios e primos não perdiam uma única sessão pois na época a única diversão além do cinema era escutar o rádio.
Não faltava quem levasse pipoca, balas e até bolos para serem servidos e o “cinema” teve sessões ao longo de uns três anos, quando então chegou a modernidade da TV. O barracão passou então a ser depósito de quinquilharias da serraria. Ficou sendo apenas uma lembrança do passado.
Tempos depois os cinemas do centro da cidade foram aos poucos fechando porque a TV absorveu o grande publico e por passar filmes fez com que apenas os cinéfilos mais fiéis frequentassem as salas de cinemas, agora instaladas nos grandes shoppings. Ademais a violência no centro das cidades também contribuiu, e muito, para a evasão do publico das casas de espetáculo. Destas só restou mesmo os teatros que lutam para não fechar as portas por terem público cativo.
Na época do cinema de bairro os clubes sociais Curitibano e Thalia também faziam sessões de cinema para seus associados como parte de suas promoções. Mas o avanço da tecnologia e principalmente da TV foi sufocando as casas de cinema, hoje em dia os filmes são produzidos para passar nos canais aberto e fechado sempre com um público numeroso porque as “fitas” transportam as pessoas para um mundo imaginário e inesquecível.
E no bairro do cinema em comento habitavam a família Merlin e outras de origem italiana uns próximos dos outros, cultivando o hábito da terra de seus antepassados onde inclusive fundaram um clube, também de construção de madeira, onde realizavam bailes, jogavam bocha, truco, tomavam vinho, graspa, saboreavam o tradicional risoto e frango ensopado com polenta. Mas tudo ficou no passado e só vive na memória de poucos.
É por isto que lembrei e resolvi registrar nestas linhas, com muita nostalgia, este retrato que continua vivo no meu coração …
“Dou graças a Deus pela memória que tenho porque consigo retratar episódios que vivenciei na minha vida pública e familiar. E por lembrar sempre de parentes e amigos que fizeram parte de meu acervo moral.”
Édson Vidal Pinto