Como Certo Filme de Hollywood.
Nem bem coloquei meus pés na praia central de Guaratuba, vi muitas pessoas olhando lá pelos lados que chegam às canoas de pescadores, perto do Morro do Cristo.
Curioso, também olhei. Nunca vi tanta gente agrupada. Logo imaginei que era algum banhista que morreu afogado.
Só para confirmar perguntei para uma moça que estava ao meu lado:
- Afogamento?
- Não, ouvi dizer que é um velho pescador que está chegando do mar, depois de uma semana...
- Uma semana? - Perguntei incrédulo.
- Sim, ele estava desaparecido e dizem que todo esse tempo foi apenas para pescar um único peixe!
- Caramba! Ele “lutou” uma semana inteira para pescar um peixe? Que luta deve ter sido, não?
- Sim, que luta. Ele está chegando, olhe em direção ao mar: esta vendo um pontinho no horizonte?
- Sim.
- É a canoa dele se aproximando do continente. - suspirou a jovem.
Eu me senti um trapo: fugindo do sol, tomando banho de piscina à noite, lendo na varanda, me refrescando de quando em quando no ar condicionado, bebendo e comendo como um pirata aposentado.
Preguiça para o que der e vier. Nem sei como fui à praia, logo no momento em que o velho pescador volta de sua grande aventura. Com os brios em frangalhos resolvi pelo menos me dirigir aonde à multidão esperava o herói da temporada.
Na medida em que eu me aproximava ouvi os mais diversos comentários:
- O velho pescou uma tainha de quatrocentos quilos!
- Nada, ele pescou foi uma baleia...
- Não foi um leão marinho!
E à medida que me aproximava do local de chegada, aumentava o tamanho do peixe. Perguntei para um pescador, aflito:
- Que idade tem o homem?
- Oitenta e sete! - respondeu na bucha.- O seu nome é mestre Luiz.
- Luiz, só? - arrisquei.
- Só, Luiz! - arrematou o caiçara.
Fiquei mais arrasado ainda: o cara tinha muito mais idade do que eu fiquei em alto mar por uma semana, lutou bravamente contra o peixe que fisgara e só comeu farinha. Eu me senti literalmente com um pé na cova. Um fraco e carcomido homem. Tive vontade de subir no Morro do Cristo e lá de cima me jogar no mar, sem saber nadar. Só não fui porque cansei antes de subir os cento e noventa e oito degraus que leva até a estátua. Mesmo aborrecido e me sentindo um fracote, fiquei aguardando a chegada do “velho do mar”.
Minha imaginação me transportou para a obra de Hemingway e parecia que eu estava esperando o Spencer Tracy descer da canoa, só que desta vez vitorioso. E na medida em que o barco se aproximava da praia mais as pessoas ficavam agitadas. Inclusive eu. Embora no filme o “velho” tenha morrido, derrotado pelo peixe, pelo menos agora o epílogo será feliz.
Enquanto eu estou envolto em minhas elucubrações, chegou uma ambulância do Corpo de Bombeiros, com certeza para atender o velho do mar. Muitos pescadores colocaram sua canoas no mar para irem ao encontro do mestre Luiz, um personagem que entrará na história de Guaratuba.
E meia hora depois a canoa de nosso herói, escoltada por outras, tocou a proa na areia sendo ele efusivamente abraçado pela família, amigos e banhistas. Começou uma bateria de fogos de artifícios, que o jovem prefeito municipal sabe muito bem comandar, aliás, a única obra que sabe fazer.
Colocaram o velho dentro da ambulância, contra a sua vontade, e o levaram para hidratação no hospital municipal. Daí todos queriam ver o peixe quer o mestre Luiz tinha pescado. Todos se aproximaram da canoa, não faltando cotoveladas e gritos estéreis. E quando o olharam viram apenas um “baiacu”, mirradinho, de pouco menos de cinco centímetros. Inconformados, vasculharam cada palmo da canoa e nada. Nem uma Lula e nem nada.
O prefeito irritado mandou cessar a queima de fogos e guardou a chave da cidade para entregar ao seu pai, quando ele visitar a cidade. O povo indignado colocou fogo na embarcação. A polícia foi chamada no local e o pau quebrou para todos os lados. No hospital a população queria linchar o mestre Luiz.
Este achou melhor se fingir de morto, pois não sabia o que estava acontecendo. Só disse para o médico que ficará longe de casa uns dias porque tinha ido visitar a “namorada” na Ilha do Mel. E que não sabia de peixe nenhum que tivesse pescado. Quando me contaram eu não me senti tão inútil. Afinal eu sabia muito bem como filme tinha terminado...
“Tudo acontece em Guaratuba. Tudo bem, ninguém precisa acreditar no que escrevo. Mas é tudo verdade. Sou incapaz de escrever por escrever; venha para cá, não duvide, o leitor vai ver e ouvir só histórias verdadeiras. E às vezes tem até mar!”
Edson Vidal Pinto