Conto de Primavera.
Tudo aconteceu em frações de segundos, foi imprudência do Olavo, um skatista de oitenta e dois anos que arriscou uma manobra inédita, na velha pista de skate em frente à Sorveteria do Gaúcho, ao lado do Cemitério Municipal.
A tarde era de sol, poucas nuvens, temperatura amena, não tinham muitos adeptos do esporte, talvez por isto o Olavo tentasse fazer um contorno na pista de ponta-cabeça, com a mão esquerda sobre o skate e as pernas para o alto. Perdeu o equilíbrio e bateu com a cabeça no duro relevo de cimento, que o levou a óbito.
Foi uma tragédia.
- Foi nada. -Pensou Olavo consigo mesmo, quando deparou com seu corpo estatelado no chão. - Eu já estava “cheio” de brincar de skate! Eu queria mesmo era escalar montanha...
Enquanto conversava com seus botões, sem se importar com o que lhe acontecera, caiu na realidade quando um Anjo bateu levemente nas suas costas, dizendo:
- Vamos Olavo, vim lhe buscar?
O finado ficou pálido quando se deparou frente a frente com o Anjo, não conseguia falar.
- Ora, meu caro. - disse o enviado do Senhor - Vamos logo...
- PA. PA. Para onde?
- Para o Jardim do Éden.
- Onde fica isto?
- No Paraíso, seu tolinho.
E assim o Olavo foi parar num mundo maravilhoso, grama bem aparada, árvores frondosas, céu de brigadeiro, sol a pino, flores, lagos, onde o vento compunha com suas variedades de sons musicas que soavam muito bem nos ouvidos.
Era um cenário de paz e harmonia. Só não tinha visto uma coisa: pista de skate.
Passou então a procurar por uma em todos os lugares. Cansado, resolveu dar um cochilo sob a sombra de uma árvore.
Nem bem fechou os olhos, ouviu a voz rouca de uma Jararaca, que estava entre os galhos da árvore:
- Psiu, você quer saber onde tem uma pista de skate que é de babar?
- Claro, onde é? - perguntou sequioso o finado Olavo.
- Só digo se você me prometer uma coisa...
- Claro, prometo qualquer coisa, o que é?
- Você vota no Haddad?
- Ah! Nele não!
- Então não direi onde está localizada a pista de skate.
- Ah! Não me judie, por favor, me conte.
- Só se você votar no Haddad! - insistiu a Jararaca.
Olavo, louco para andar de skate, pensou um pouco e bolou uma mentira: vou dizer que voto, mas não voto, engano a cobra e fico sabendo onde tem a tal pista maravilhosa de skate:
- Está bem, você venceu: vou votar no Haddad!
- Só não pode mentir, porque se você mentir e não cumprir o que prometeu você vai ser castigado. Lembre-se, ninguém pode mentir no Paraíso. Aqui tudo é certinho, preto no branco, sem falcatruas e sem perdão. Pensou nisto?
Olavo não acreditou muito na Jararaca, quem é ela no Paraíso? Um réptil, asqueroso e dissimulado, nada mais.
Resolveu então confirmar a mentira:
- Eu prometo solenemente votar no Haddad...
- Se você não cumprir o que prometeu você será castigado - respondeu a cobra.
- Só para saber, qual seria o castigo?
- Você vai encontrar uma mulher, vai casar e ter muitos e muitos filhos.
Putz pensou Olavo, se este é o castigo estou feito, no Haddad eu nunca votarei.
E foi assim que a alma mentirosa encontrou a pista de skate. No dia da eleição votou no Bolsonaro.
E no dia seguinte foi obrigado a participar de um casamento coletivo, quando então foi escolhido por uma noiva fogosa, de véu e grinalda, e nem teve tempo de recusar. Foi na lua de mel que Olavo, não muito satisfeito, perguntou o nome de sua esposa:
- Marina Osmarina da Silva Vaz de Lima, ou apenas Marina Silva meu amor...
Pois é leitor, o inferno tem varias facetas, não tem caldeirão de fogo, nem tem o diabo vestido de vermelho com seu inseparável tridente, este tem varias formas e meios de castigar. Não acredita? Pergunte para o Olavo...
“O diabo veste Prada. Também tem varias formas: pode ser Jararaca, Lula, ladrão, corrupto e dissimulado. O inferno também é um cenário multifacetado. Na hora de partir desta vida para outra, pense bem e não tenha vontade de querer nada. Tente sempre descobrir se você está no Paraíso ou no Inferno!”
Edson Vidal Pinto