Conversa ao Pé do ouvido!
Hoje, 03 de Março, sexta feira.
Acho que dormi com o pé descoberto. Estou farto de o governo Temer, com os pudores com que a Justiça está tratando o Lula, com os envolvimentos dos ministros no pega e larga do dinheiro da Odebrecht e com as estultices dos políticos atolados na corrupção. Para mim chega!
Resolvi falar diretamente com o Chefe que tem a chave do mundo, para cobrar algumas providências pra lá de tardias! Vai ser conversa direta: olho no olho! Para chegar até "ele" vou ter que providenciar o melhor meio de transporte.
Levantei cedo e fui até a Casa China comprar os apetrechos necessários para a viagem: bexigas, GPS, barbante, lancheira, lanterna, capacete de brinquedo, binóculo, óculos de plástico, joelheira, tornozeleira, um alfinete e uma pequena imagem da Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Passei na ponta de estoque de calçados da Rua Tefé onde comprei uma bota e voltei para casa. Peguei minha poltrona preferida do meu escritório e levei para a rua.
Contratei um senhor que tem uma pequena máquina de encher bexigas com gás hélio, amarrei uma quantidade delas na minha poltrona e sentei nela devidamente trajado com os apetrechos que eu havia comprado, me despedi da família e dos curiosos que foram ver minha partida e subi em direção ao céu.
Eu tenho certeza que já vi este filme antes, mas não me lembro de onde! O vento estava ameno e à medida que fui subindo avistei a multidão que estava me acenando, ouvi buzinas e o sino da Igreja dos Passarinhos tocando freneticamente com o Padre Figura ditando o ritmo do badalo. Foi à primeira vez na minha vida que eu me senti o máximo!
Eu estava bem agasalhado e por isso não senti frio. Tudo foi festa até atravessar a primeira nuvem, depois vieram outras e em poucos segundos me vi sobre um amontoado de lãs de carneiros, de todas as formas, perdi contato visual com a terra.
E agora, pensei com meus botões? Olhei o GPS e não vi nenhuma rota. Não fiquei preocupado, pois deixei a vida me levar. As nuvens embaixo de mim parecia neve, às vezes algodão e até a cor branca lembrava o miolo do rabanete. Logo me deu fome, muita fome. Peguei minha lancheira e do seu interior tirei um sanduíche de presunto e queijo e comi.
Estava uma delicia. De repente avistei uma nuvem que estava acima de todas as outras e o vento me conduziu exatamente em sua direção. E quando me aproximei dei de cara com quem eu queria encontrar e falar: o homem da chave, São Pedro!
Claro que eu não tinha pretensão alguma de falar com o Chefão, optei por conversar com seu imediato direto! Ele me viu e ficou assustado:
- Meu filho, que loucura você está fazendo? Sabe que é perigoso andar pendurado de balões por estas bandas?
- Sei sim senhor (respondi meio sem jeito). Mas eu precisava falar...
- Ah! Já sei você queria me dizer o que outro tentou, mas não conseguiu, não é mesmo?
-?
- É naquela ocasião eu não pude ajudar em nada, pois as bexigas foram sopradas pelo vento para lá, ao invés de virem para cá! O que você deseja filho amado?
As palavras eram tão carinhosas que eu tive receio de perguntar, mas arrisquei:
- São Pedro amado, não tem como arrumar o Brasil?
A pergunta soou como um raio. O homem estremeceu e ruborizou.
- Não! Não e não!
- Por que, senhor?
- vocês só querem samba, mulher e carnaval!
- Negativo! Nós queremos trabalho, educação e segurança pública!
- Não acredito. O último político que morreu e chegou a ser ouvido fez uma delação premiada e acusou o povo de mesquinho, perseguidor e batedor de panelas...
- Justamente, Senhor. Por que o povo está indignado com os políticos!
- Blasfêmia! Ele até me presenteou com algumas benesses e me ofereceu um cargo de diretor geral da Itaipu. Estou pensando em aceitar, ele disse que o salário é em dólares!!
Fiquei atônito. Está tudo dominado! Até aqui chegou a corrupção. Se o melhor amigo e apóstolo do Senhor está envolvido pelo canto da sereia, a nossa sina é padecer em nosso paraíso perdido.
Peguei o alfinete e fui espetando as bexigas e minha poltrona e nós fomos descendo até chegar ao chão. Tirei meu capacete e meus óculos de plástico, olhei apavorado para o céu e instintivamente peguei a pequena imagem da Nossa Senhora da Luz dos Pinhais e rezei com fervor.
Quando desci de cadeira dos céus, nenhum sino tocou. Sinal dos tempos, de tempos de vacas magras. Até quando, Senhor? Até quando?