Currículo de Vida.
Ontem, 08 de agosto de 2017, terça feira.
A crise econômica do país que gera o desemprego coloca em polvorosa o trabalhador e desestabiliza a sua família. Ninguém está seguro no emprego, pois da noite para o dia tudo pode mudar, até mesmo a sorte do empregador.
E daí, perder o emprego é infeliz consequência. Eu tenho um amigo que está neste sobressalto dentro da empresa onde trabalha e já está pensando em dizer para os diretores que é homossexual. Ele acha que é a única maneira de não ser demitido, para não transparecer ato discriminatório capaz de gerar protestos pelo mundo todo. Cada um se segura no trabalho com carteira assinada da maneira que pode.
Dias atrás encontrei casualmente na Praça da Ucrânia, no Barigui do Champagnat, bairro onde moro, em uma banca de revistas onde compro minhas palavras cruzadas, o Leôncio. Gaúcho vindo dos pampas, de sotaque carregado, com a cuia de mate pendurado no ombro juntamente com uma garrafa térmica presa pela alça de plástico, que sem rodeios falou:
- Patrão, que bom encontrar o senhor!
- Olá, Leôncio, quanto tempo, hein?
- Tô desesperado, homem! Perdi meu emprego há três meses e preciso da sua ajuda...
-?
- Eu necessito fazer um "currículo de vida" para me habilitar num emprego que está anunciado na Tribuna do Paraná!
- Se eu puder ser útil...
- Claro que é, vamos sentar naquele banco da praça, pois estou munido de lápis e caderno para anotar o que for preciso.·.
Eu não poderia recusar o convite, pois sei avaliar o que representa a oportunidade de disputar um emprego. Fomos até o banco indicado e nos sentamos. Passei a ditar as informações básicas para elaborar um currículo e o Leôncio anotava tudo com muita atenção.
Até que chegou à qualificação profissional e ele logo foi dizendo:
- Vou colocar que combati na Guerrilha do Araguaia...
- Não! - respondi de inopino - a qualificação é para registrar suas atividades profissionais!
- Pois é, fui guerrilheiro...
- Não! Não é isto, ademais ninguém vai querer empregar um guerrilheiro na sua empresa.
- Mas vou colocar!
O que dizer: o currículo era dele e não meu logo ele poderia colocar nele o que bem quisesse.
- Vou colocar que morei em Cuba e que amo o Fidel!
Opa, parei para pensar! Olhei para o Leôncio bem nos olhos e perguntei:
- Escuta aqui, meu amigo, que emprego é esse que você está pretendendo?
- O de jardineiro...
- Na casa de quem?
- Do senador Requião!
Ah! Dai eu entendi melhor como elaborar o texto para meu amigo, e ditei:
- Escreva aí: sei sacanear um amigo; sei ofender gratuitamente; sei quebrar dedo de repórter; sou o maior comedor de mamona do planeta; ofendo mulher; sei pintar cavalo de branco; digo que fiz coisas que nunca fiz; falo bravatas; sou comunista aprendiz do Mao; amo dormir com cavalo; gosto de fazer a grama do Canguiri; e sei inventar histórias melhor do que a do Ferreirinha para ganhar o emprego.
E o Leoncio continuava a escrever com mais entusiasmo. Foi quando lhe perguntei:
- E referências?
- Não sei...
- Então escreva: Quércia, Gréca; Amante; Aparecida; Maluf; Patraglia; Sarney; Doático; cobras e lagartos! E para finalizar coloque a data e assine seu nome.
- Obrigado! Muito obrigado! - me agradeceu o Leôncio, com os olhos cheios de lágrimas. Pensei comigo mesmo, com este currículo com certeza o emprego está no papo! Depois que nos despedimos me senti satisfeito por ajudar um amigo necessitado. Afinal, que mal tem escrever um currículo recheado de baboseiras, quando o mesmo será apresentado para um bufão da politicalha?
"Nenhum governo se sustenta quando o desemprego crasso. A intranquilidade do povo gera consequências imprevisíveis. Reverter este quadro é tarefa de todos. Eu já dei minha colaboração, para empregar meu amigo Leôncio!”
Edson Vidal Pinto