Decisão drástica
É o momento certo, pensei com meus botões: ou é agora ou nuca mais. Ou é tudo ou nada, pois é nesta hora crítica que o melhor pode acontecer. Assim resolvido, tirei minha mala do armário e comecei a colocar minhas roupas dentro dela, com todo cuidado e o suficiente para ficar vinte dias fora de casa.
Sei do vírus que está mais perto do que se imagina, mas não posso deixar de retornar para Roma. A última vez que estive na Itália foi uma imensa frustração. Lembro que em Roma fui até a “Fontana de Trevi” pois era o meu sonho por causa dos filmes que assisti na adolescência onde eu queria atirar no espelho d’água uma moedinha, mas quem disse que eu consegui? Localizada entre ruas estreitas e com um milhão de chineses e japoneses tirando fotografias, mal consegui enxergar um dos cavalos esculpidos em mármore. Voltei com a moedinha no bolso e guardei em casa.
E o Coliseu? Tinha uma fila quilométrica de chineses e japoneses que não consegui chegar na bilheteria para poder entrar. E do lado de fora não consegui tirar nenhuma foto, nem ao lado do homem fantasiado de centurião romano, que cobra para posar nas fotos.
Os chineses e os japoneses parecem que se multiplicavam pela preferência dessa lembrança. E nem falo do Vaticano, pois foi outro desastre. Na Praça de São Pedro, em frente da Basílica, tinha mais chinês e japonês do que ar para respirar -, e quando o Papa apareceu em pé no seu papamóvel, só pude assisti-lo pelo telão, nada mais.
E quando entrei na Basílica uma turba de pessoas oriundas do leste europeu, com jeito abrutalhado e cheirando alho, quase me atropelaram que fui obrigado a sair correndo. Na disparada quase derrubei um esquife de vidro onde tinha um Papa mumificado. Foi um horror. Tenho pesadelos até hoje. E o pior foi em Veneza, pois quando eu estava embarcando em uma gôndola cinco chineses sentaram nos bancos da canoa antes do que eu. E não adiantou reclamar. E nas ruas estreitas entre os canais,era uma multidão de chineses e japoneses, que percorri alguns trechos sem colocar meus pés no chão. E também foi assim na Praça de São Marco, a única da cidade, tomada literalmente por chineses, japoneses e pombos. Fiquei de fora.
Detestei a Itália. Mas pelo menos agora eu tenho certeza que viajarei para lá e que irei aproveitar todos os passeios que não fiz, sem ninguém para me atrapalhar.
Cheguei à conclusão que o coronavírus pelo menos serve para alguma coisa: para percorrer a Itália sem turistas para atrapalhar! Com a mala arrumada peguei meu passaporte e daí então fiquei apenas esperando a hora de embarcar. E não demorou:
- Meu bem pode vir, vai começar. - Era a voz de minha mulher me chamando para ver o programa na televisão “O Mundo Visto de Cima”. E a “viagem” de hoje era pela Itália, visitando cidades, monumentos e tudo o que aquele país tem a oferecer aos turistas. Inclusive estava no roteiro uma parada no Vaticano.
- Já estou indo...
E foi desta vez que iniciei minha viagem pela bela Itália, sem atropelos e nem dissabores. Vi a “Fontana di Trevi” como se ela estivesse na sala de meu apartamento, foi quando aproveitei para jogar “aquela” moedinha. No Vaticano o Papa passou tão pertinho que até disse no seu ouvido: “Amigo do Lula, hein?!”.
E ele me olhou de cenho fechado com cara de poucos amigos. Não liguei. Pois serei amigo do coração do outro Papa que virá. E na gôndola percorri todos os canais, com minha mulher do meu lado, despreocupado e feliz da vida. E na região da Cecília, epa, melhor parar por aqui, porque esse roteiro poderá render uma outra crônica.
Enfim, aprendi a amar a Itália! E quando o programa terminou meus olhos estavam úmidos pois aproveitei nos mínimos detalhes a viagem. Voltei para o quarto, guardei o passaporte, abri a mala, retirei roupa por roupa e coloquei cada uma nos devidos lugares. Guardei a mala no armário e voltei para a sala de TV, onde estava minha mulher. Gente, que viagem maravilhosa que fiz sem nenhum risco de contrair o coronavírus. E o melhor de tudo: sem gastar um único euro ...
“Com o coronavírus cada vez mais perto a solução mais rápida é viajar para bem longe. Viajar na frente da TV pelos programas turísticos que nos conduzem por lugares nunca d’antes navegados e outros tantos, que conhecemos. E o principal: sem medo do dólar e do euro que estão pela hora da morte!”
Edson Vidal Pinto
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