Duas carreiras sem futuro
Para iniciar a semana fria e com cara de poucos amigos, nada melhor do que escrever reminiscências e lembrar de fato pretérito que foi causa de pânico, que poderia ter resultado no fim de duas carreiras profissionais recém iniciadas. O episódio ocorreu na Comarca de Rio Negro, nos primeiros meses de 1.969, quando meu estimado amigo Leonardo Pacheco Lustosa, então Juiz de Direito Substituto da Secção Judiciária de São José dos Pinhais e eu Promotor de Justiça Substituto da Secção Judiciária da Lapa, recém ingressos nas respectivas carreiras, fomos designados para fazer um júri na Comarca de Rio negro, porque o Juiz Titular Fernão Stockler Simões Portugal e o Promotot Titular Luiz Alberto Machado, declararam seus impedimentos para atuarem no processo. Eu e o Leonardo nos conhecíamos de vista em simpósios e conferências que assistimos casualmente, ele acadêmico de Direito da Faculdade Curitiba e eu da PUC, sendo que nos formamos no mesmo ano de 1.967. Outra coincidência foi o fato de que chagamos na mesma manhã de segunda feira em Rio Negro para atuarmos no Júri marcado para as 13 horas do mesmo dia, ele chegou de carro e eu de ônibus. É claro que nenhum de nós dois conhecíamos o processo e dele só nos inteiramos umas duas horas antes do início da sessão do Júri. Eu só soube que o Leonardo seria o Juiz e ele que eu seria o Promotor quando entrei no seu gabinete no fórum, para pedir para ler o processo que estava nas suas mãos.
Foi quando nos conhecemos de verdade e sentimos que estávamos prestes a dar o maior vexame de nossas vidas, pois iríamos fazer nosso primeiro Júri sem conhecer nada do processo.
A nossa primeira curiosidade foi saber quem seria o advogado de defesa, sem conseguirmos decifrar o seu nome das leituras das assinaturas postas nos depoimentos das testemunhas de acusação e defesa, existentes nos autos. Nossas inexperiências eram tantas que não fomos capazes de ler o nome do advogado que estava datilografado no termo das respectivas assentadas. E das assinaturas só conseguimos “decifrar” que o advogado seria um tal de “José Neto”. Era um alívio pois com certeza o defensor era um “Zé”qualquer que militava na Comarca, deveria ser um “cabloquinho” da terra. E com a proposta feita pelo Leonardo resolvemos ler o processo juntos, do início ao fim, para sabermos do que se tratava. O fato delituoso tinha acontecido no distrito de Campo do Tenente, quando em uma raia de corridas de cavalos, um cunhado matou o outro com um tiro certeiro de revólver. De repente bateram na porta do gabinete:
-Pode entrar.- autorizou o Leonardo.
E quem bateu entrou. Quando vimos e reconhecemos quem era, ficamos estáticos.
-Meritíssimo Juiz, Senhor Promotor, eu me chamo José Rodrigues Vieira Neto, defensor do réu do julgamento desta tarde, por isto tomei a liberdade de entrar para pedir emprestado o processo a fim de tirar xerox de duas folhas do mesmo…
-Não, mestre! Não mesmo!
Eu e o Promotor estamos estudando juntos o processos pois chegamos na cidade pela manhã e não conhecemos nada dos autos!
O ilustre Professor e Catedrático da Cadeira de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná, jurista conhecido nacionalmente e exímio orador, humildemente pediu desculpas e saiu do gabinete. Deixou para trás dois homens mudos, chocados e paralisados. Pensei com meus botões: “E eu pensei que o defensor era um Zé Ninguém!”
-Vou pedir demissão do cargo e voltar para Curitiba!- falou o Leonardo.
-Eu também! - concordei sem titubear.
Ficamos alguns minutos sem falar e pensando na enrascada em havíamos nos metido. Foi quando eu falei:
-Leonardo, pensando bem estamos em uma Comarca interiorana, que tal se pagarmos o “mico” e fazer o Júri?
-Será ?
-Putz, somos homens ou dois insetos?
-Acho que dois insetos …
Demos risada e isto aliviou e descontraiu um pouco. Nos enchemos de meia coragem e resolvemos encarar o desafio.
-Seja o que Deus quiser! - sentenciou o Leonardo.
E assim fizemos o maior Júri de nossas vidas, com muito suor, sufoco e sacrifício. Foi uma página que ficou no passado. Anos depois eu e o Leonardo nos encontramos na Comarca de Umuarama, onde trabalhamos juntos na 2a. Vara Criminal, fomos ambos Juízes de Alçada e Desembargadores do Tribunal de Justiça do Paraná. Temos uma amizade sólida fundida naqueles momentos em que iniciamos nossas carreiras, hoje, aposentados, moramos em edifícios localizados um ao lado do outro, da rua Padre Agostinho, na frente do bosque da Copel. E quando nos encontramos sempre dizemos um para o outro: “ainda bem que não pedimos demissão, naquelas horas de incertezas e de sufoco…”
“O episódio pode ser engraçado hoje, mas na época foi uma encruzilhada para dois neófitos que davam os primeiros passos na vida profissional. Saudades do Prof. Vieira Neto, nascido na cidade de Rio Negro - Pr, lugar que para nós serviu de palco para o maior desafio de nossas vidas. E com a graça de Deus chegamos juntos até o fim, por coincidência, na mesma Carreira.”