E deu Cobra na Cabeça
Parece que foi ontem que a maioria dos fóruns do interior do estado eram construções de madeira, a maioria casas alugadas e improvisadas, alguns inclusive dividindo o mesmo espaço com a Prefeitura Municipal.
Só nas cidades mais prósperas existiam fóruns de material por serem de entrância intermediária e polo econômico regional. Estas construções ou eram custeadas pelo orçamento do Governo estadual ou pelo do Tribunal de Justiça pois a arrecadação publica era modesta e o Paraná iniciava o seu desenvolvimento graças ao trabalho dos homens e mulheres que lutavam de sol a sol no cultivo das férteis terras paranaense.
Tempo das grandes fazendas de café no norte pioneiro e do norte novo, com fundações de cidades pelo destemor de gente pioneira vinda dos mais longínquos lugares. No sul a erva mate e a madeira eram as principais fontes de alavancagem para o progresso, pois a indústria era insipiente e o comércio dava seus primeiros passos movido pelo empreendedorismo de famílias tradicionais e outras tantas vindas do além mar.
E não estou me referindo de um lapso temporal muito distante não -, mas dos anos sessenta do século passado até a presente data, claro que para as novas gerações deve representar uma eternidade mas não é tanto quanto parece porque muitos que vivenciaram aquela época hoje estão na casa dos setenta e mais anos de idade, vivos e muitos com boa memória.
A longevidade dos seres humanos deve a evolução tecnológica da Medicina. Os idosos estão em todas as partes e com certeza muitos deles sequiosos para contar fatos que testemunharam ou ouviram de oitava, aos colegas, amigos e parentes muito mais novos de idade.
Nesta crônica conto um episódio ocorrido na cidade de Marilândia do Sul, cujo fórum era de madeira, uma antiga casa familiar que fora alugada para possibilitar a instalação da comarca, pois sem o fórum e sem as residências oficiais do Juiz e do Promotor de Justiça a lei não permitia o funcionamento de nenhuma repartição judiciária no interior do estado. E para dar o devido cumprimento legal tudo era feito às pressas e improvisado.
O fórum uma construção precária, mal conservada , nos forros superiores dos tetos tinham pequenos furos por onde passavam as águas das chuvas e os móveis feitos de madeira rústica. Fui Promotor de Justiça da Comarca vizinha de Faxinal e do acontecido tomei conhecimento por ouvir dizer de uns e de outros.
O Juiz de Direito era o dr. Joel Pugsley um Magistrado cioso de seus deveres e um cidadão de ótima índole; e o Promotor de Justiça o dr. Rui Cavalin Pinto, um profissional brilhante e um intelectual invejado tanto que hoje mora em Curitiba, está aposentado e é um dos imortais da Academia Paranaense de Letras. Um exemplo de colega.
Cidadezinha típica do interior localizada há poucos quilômetros ao lado da Rodovia do Café, a vida dos habitantes passava sob o ritmo do tic-tac dos relógios no meio de muito pó e barro. Certo dia foi ajuizada no fórum uma ação de desquite litigioso (não existia o divórcio) entre um casal briguento e inflamado de ódio um pelo outro, tendo o Juiz designado audiência preliminar de conciliação para ver se conseguiria recompor o casamento ou a concordância de ambos para que o desquite fosse amigável.
A sala de audiência era um antigo quarto de casal do locador com uma mesa, cadeiras para as partes, advogado e Promotor sentarem e num tablado mais alto, na cabeceira da mesa, sentava o Juiz e o escrivão. No teto, bem encima da mesa de audiência, um buraco feito como obra de engenharia pela goteira da chuva. Todos os interessados estavam presentes: as partes com seus respectivos advogados, o Juiz, o Promotor e o escrivão.
Aberta a audiência o casal começou a discutir, o Juiz tentou serenar os ânimos mas não adiantou, pois o tom da discussão só aumentou, a mulher começou a gritar e dirigir impropérios ao marido e este revidou na mesma altura, quando então o marido levantou da cadeira e investiu contra a mulher. Os advogados também levantaram para acalmar seus clientes e evitar o pior, quando então o Juiz pegou o martelo de madeira e deu um golpe com toda a força num toco de madeira apropriado para a ocasião.
Em seguida bradou:
- SILÊNCIO !! Todos permaneçam sentados…
E em seguida deu um novo golpe com o martelo bem mais forte que o primeiro. Daí o inusitado aconteceu. Do buraco do teto caiu sobre a mesa da audiência uma cobra cascavel que levou pânico aos presentes, que procuraram sair correndo da sala por uma única porta, com seus corações saindo pela boca. O ato formal do Juizo foi suspenso e a conciliação foi designada para uma outra data.
E a cobra passou a ser o grande comentário por toda cidade. Episódio folclórico com certeza que bem merece ser lembrado para que as novas gerações de Juízes, Promotores e Advogados possam reverenciar os colegas mais antigos que escreveram suas biografias em tempos de dificuldades e nunca tiveram tempo para fazer gracinhas e nem brincar no exercício de suas profissões…
“Ontem o ambiente forense embora rusticamente franciscano era respeitoso e a autoridade judiciária gozava do respeito dos jurisdicionados. Não havia ativismo político, ideologia, entrevistas e microfones. Foram tempos de vacas magras mas com Juízes vocacionados. E hoje ? Claro que tem ótimos Juízes excluindo uma minoria que vestem Togas sem brilho.”
Édson Vidal Pinto