É muito tempo
Tem coisas na vida pública que só acontecem no Rio de Janeiro. Os jornais noticiaram com destaque que o secretário da Segurança daquele Estado, o delegado federal Beltrame, pediu demissão depois de ter permanecido no cargo há mais de dez anos. Recordista absoluto de permanência em um cargo comissionado do primeiro escalão de qualquer governo estadual. Sujeito estranho. Eu o reconheci no aeroporto de Fortaleza quando embarcamos no mesmo voo para o Rio, o avião fez escala para dai vir a Curitiba. Eu tinha participado de uma reunião de presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais e segundo fiquei sabendo o secretário de um encontro com seus pares, convocado pelo Ministério da Justiça. Ele estava estranhamente vestido de chinelo, bermuda e camiseta cavada, acompanhado de uma mulher com trajes de praia. Também fiquei sabendo por intermédio de um amigo que esteve presente naquela reunião que ele na ocasião usou o mesmo traje. Só fiquei imaginando o nível do encontro que contou com a presença do Ministro da Justiça! E o delegado Beltrame foi o mais paparicado e o que mais falou na oportunidade.
Mais vamos e venhamos : dez anos é muito tempo para alguém ser secretário de Estado, muito mais ainda quando o cargo é desgastante e gera preocupação permanente. Ninguém é super-homem para resistir tanto tempo. Sei por experiência própria. Apesar de não ter sido o titular da pasta, fui diretor geral da Secretaria de Segurança Pública o equivalente a um subsecretário por ser o substituto legal do detentor do cargo, por isso sei avaliar as dificuldades que surgem no dia a dia. É uma área sensível de qualquer governo, de logística muito cara, carência de pessoal, exige planejamento técnico e disponibilidade de orçamento para suprir as necessidades urgentes de deslocamento de policiais civis e militares. Administrar a segurança publica impõe conhecer não apenas a capital como os municípios e distritos, o número de habitantes e conhecer estatisticamente a onda de violência de cada uma destas regiões. Ninguém tem resistência para aguentar muito tempo no gerenciamento desta área, espinhosa e árida. Principalmente num Estado de tamanha criminalidade como o do Rio de Janeiro.
Permanecer no cargo por mais de dez anos e apenas com ônus, não parece ter lógica. Muita coisa deve ter acontecido ao longo deste tempo, mas com certeza nada contribuiu para diminuir o crime e a criminalidade. O projeto das UPCs nos morros foi um programa de Governo muito bem planejado, porém pouco eficaz. A carência de pessoal de apoio da Polícia Militar para proteger cada setor e suprir minimamente a escala de policiais nele lotados, praticamente sepultou o projeto e não inibiu a ousadia dos bandidos. Pensar numa desocupação das áreas capitaneadas pelo tráfico só se fosse declarada uma guerra com as indispensáveis participações das Forças Armadas. O plano engendrado não tem gerado resultados satisfatórios, salvo como propaganda política de governo. Tanto é verdade que diariamente tem tiroteios e mortes nos morros cariocas, mortes equivalentes ao que ocorre em cidades em luta no Oriente Médio.
A conveniência política que manteve o delegado Beltrame à frente da Secretaria de Segurança por tantos anos não está suficientemente explicada. A não ser pelo fato do Rio de Janeiro ser useiro e vezeiro de produzir para o Brasil figuras folclóricas e de nenhuma explicação, como Tenório Cavalcante, Brisolla, Cacareco e tantos outros ungidos e de priscas eras. Ora, ninguém prega prego sem estopa! E como foram realizadas a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas que fizeram jorrar uma dinheirama do governo federal para a segurança pública do Rio de Janeiro, por óbvio a fonte secou. Nada melhor para alguém pegar o boné e saltar do barco. O pretexto de estar cansado caiu muito bem perante a opinião da Imprensa. E com certeza a população do Rio continuará convivendo com tiros e arrastões. Situação que poderá ser revertida quando mudar a mentalidade do governante e colocar no cargo de Secretário da Segurança Pública alguém que cobre ações policiais bem planejadas e supra as necessidades econômicas do setor. Não se faz segurança pública com míseros tostões e carência de efetivo policial. Caso contrário o tema da Segurança continuará sendo relegado ao descaso. E o povo que se dane!