Eu, Clínico Geral.
Peço perdão para Hipócrates, mas de tanto ver farmácias pelas ruas que eu ando, acabei tendo um pesadelo. E nele eu era mais um médico - clínico geral - ostentando um jaleco branco com mangas bordadas de ambos os lados com figurinhas de minhas especialidades e nomes das clínicas em que trabalho.
Puro marketing. Longe de mim brincar com uma profissão tão séria que tem nas mãos a saúde e a vida de seus pacientes; aliás, eu mesmo sou um deles, assíduo, obediente, fugitivo, mas agradecido.
Pois bem, no meu pesadelo eu tinha concluído a faculdade no interior do Paraguai, escola de excelente padrão tendo assistido todas as aulas teóricas e práticas pela internet, inclusive quando passeava em Camboriú.
Só conheci pessoalmente alguns professores quando estava no quinto ano, pena que não pude me comunicar muito bem, pois não falo Guarani. Ponto culminante foi minha formatura no Cassino de Cidade Del Leste. Lembro sempre porque naquela noite ganhei mil dólares no jogo de roleta.
E com o diploma nas mãos vim clinicar em Curitiba. Escolhi minha cidade porque não faltariam remédios, pois como disse , é um lugar que tem mais farmácias que capivaras no Parque Barigui. Instalei meu consultório no Edifício Asa, ótimo e seleto ambiente que só não era melhor, porque nos corredores tropeçava com milhares de advogados que tinham seus escritórios no mesmo prédio.
Não fui cooperado da Unimed e de nenhum plano de saúde, não porque não queria, mas porque não fui aceito. Tentei dar aula no Hospital de Clínicas, mas queriam que eu fizesse concurso. Não aceitei. Com certeza fui discriminado por causa do meu diploma estrangeiro. Mas não faltavam clientes, pois meu consultório vivia lotado.
Acho que foi pela minha competência profissional, embora alguns colegas invejosos dissessem que o motivo estava no preço de minhas consultas. Puro despeito, por decidir cobrar cinco reais de honorários. No meu pesadelo o chato mesmo era na hora de pedir ao paciente abrir a boca, para examinar a garganta, e sentia aquele bafo de alho entrar nas minhas narinas.
Mas em compensação tinha o lado divertido, quando eu atendi um cliente obeso:
- E tudo isso foi comida?
- ?
- Ótimo. Continue comendo, dê preferência a costela com muita gordura, batata frita, sopa de pinhão e hambúrguer.
- Mesmo?
- Claro, pois quando você for desta para pior, todos vão dizer que você morreu aparentando muita saúde!
E quando atendi outro com cirrose hepática:
- Bebeu todas, hein?
- Sim...
- Pois continue bebendo. Já experimentou vinho de Campo Largo?
- Não. O senhor recomenda?
- Claro, pois pior do que o seu fígado está não poderá mais ficar!
E aquele paciente que não via nada além do nariz:
- É, é catarata mesmo.
- É por isso que eu não enxergo doutor?
- Sim...
- Dá para operar?
- Dar dá, mas acho que não vale a pena.
- Por que não, doutor?
- O senhor tem reparado na sua mulher ultimamente?
- Não, pois faz cinco anos que enxergo muito pouco...
- É por isso mesmo! É melhor continuar não vendo nada!
Mas o ponto culminante do meu pesadelo foi quando “ele” chegou para consultar:
- Companheiro estou muito para baixo desde que deixei a prisão...
- Deve ser depressão? Ou é saudades do meio dedinho?
- Ah, se fosse. É muito pior: estou me sentindo abandonado...
- Pelo Samek, o Osmar ou a Janja?
- Não, doutor. Pelo povo da Bolsa Familia meu eleitorado de cabresto, pelos corinthianos, a CUT, o Pallocci...
- O Pallocci, também?
- Eu falei o nome dessa traíra?
- Falou!
- Viu, como estou na pior?
- É verdade...
- Então pode me receitar um remédio para comprar na Nissei?
- Por quê?
- É que na Nissei eles dão desconto para aposentados, pois estou com sessenta milhões de reais bloqueados pela Justiça Federal.
- Ora, presidente, não vai precisar, pois tenho o remédio certo para curar todos os seus males.
- Então vou voltar para a prisão?
- Não, não... Vou lhe receitar doses robustas de Caninha “51”...
- Companheiro, você sabe das coisas. Que médicos cubanos que nada, quando eu voltar à presidência você será o meu Ministro da Saúde!
- E o senhor, tem certeza que voltará?
- Claro companheiro, tenho apoios decisivos do Gilmar, do Tite e da Marina...
Dito isto, acordei. Estava suando frio, embolado no acolchoado e com o travesseiro cobrindo parte do meu nariz. Quando caí em mim, pensei nos apoios prometidos e fiquei temeroso com a volta do “homem” ao Poder. E você?
Não?
“Não existe pior pesadelo do que ouvir o molusco dizer que quer voltar ao Poder. Pois só de pensar dá brotoeja, azia, dor de barriga, cefaleia, hepatite, fibrilação cardíaca, bico de papagaio, reumatismo, dor nos “córnos”, veia entupida, falta de ar, bronquite, asma, obesidade, pânico do medo, uritrite, miopia, apendicite e flebite. É por isto que existem muitas farmácias, para tão poucos médicos!”
Edson Vidal Pinto