Falar em Público
Não sei porquê as pessoas quando veem um acadêmico do Curso de Direito acham que o pobre coitado estuda oratória e por isso está sempre apto para falar em publico. E quase sempre a provocação começa em família numa singela festa de aniversário quando um primo chato abre a boca para dizer que o Ricardinho está no quinto ano da faculdade e deve fazer a saudação ao vovô, pela comemoração dos seus noventa e seis ano de idade.
E o Ricardinho todo encabulado tenta se esquivar da “convocação” mas é convencido por uma tia do coração para usar da palavra. E para quem nunca abriu a boca perante ouvintes a inibição pelo medo faz os segundos se tornarem horas de aflição. E o final será sempre uma incógnita. A situação é a mesma de um acadêmico de Medicina do quinto ano quando um amigo em publico lhe pede o nome de um medicamento para curar hemorroida. Se souber diz e se não souber inventa para não pagar “mico”.
Mas sem dúvida que falar em publico exige criatividade, desinibição e experiência e isto o orador só consegue com muito treino mental e vivência. E não é fácil. Tem ator de teatro que todas as vezes que vai entrar em cena sente um friozinho correr na espinha e depois relaxa e atua como se estivesse dentro de sua própria casa. Quando estudante me cativou a voz pausada e clara de Nelson Hungria quando proferiu uma magistral conferência no auditório da Reitoria da Universidade Federal do Paraná; também gostava de ouvir no plenário do Júri o Prof. Wagner Brussulo Pacheco, Salvador de Mayo, Vieira Neto, Vieira Lins, Jerónimo do Albuquerque Maranhão, Nilton Bussi, Osman Arruda, Elio Narezi, Ronaldo Botelho e Rene Dotti que desempenhavam com maestria o dom da oratória.
Fiz esta introdução porque quero narrar um episódio de alguém muito espirituoso que fez uso da palavra, a pedido, e quase matou de susto àquele que lhe pediu para falar. O meu colega de saudosa memória Oromar Antônio Cordova, então Promotor de Justica da Capital, foi presidente da Casa do Estudante Universitário do lado do Passeio Público e na sua gestão expulsou da casa o residente José Richa que morava no local há quase oito anos sem concluir o curso de odontologia, porque fazia política o tempo todo. E quando o Richa foi governador do estado o Oromar dizia que se pudesse ler o futuro nunca expulsaria o “homem” do seu dormitório. E ria pelo acontecido. O Oromar era uma pessoa simples que veio lá das bandas de Cascavel - Pr. , afável e muito gozador.
Ele foi meu colega de concurso no MP e o primeiro Promotor da Comarca de Faxinal e eu fui seu sucessor. Era Procurador-Geral de Justiça o Prof. Ivan Ordini Righi que convidou o penalista Prof. Heleno Cláudio Fragoso, autor de inúmeras obras de Direito Penal e Processual Penal, para proferir uma palestra para os agentes da Instituição e a comunidade jurídica de Curitiba. Terminada a palestra o Prof. Righi convidou o palestrante e alguns dos presentes para jantar com o mestre no restaurante do Country Clube. E lá fui eu, também o Oromar, e algumas outras pessoas. No clube quando todos estavam sentados e aguardando o jantar ser servido o Prof. Righi sabendo que o Oromar gostava de falar pediu-lhe para saudar o ilustre convidado.
E o Oromar bom de bico não se acanhou, levantou de sua cadeira, olhou para todos os presentes, coçou as sobrancelhas e começou:
- Eminente Prof. Heleno Cláudio Fragoso - fez uma pausa e prosseguiu - olhando bem Vossa Excelência vejo que o senhor tem a mesma estampa física do grande
Presidente Abraham Lincoln : pois também é alto, magro e muito feio !
Neste momento o Prof. Righi quase caiu da cadeira e antes de poder falar, o orador continuou:
- Mas de uma inteligência ímpar, tão ou maior do que a do grande presidente americano !!
O Prof. Heleno riu e aplaudiu com o intróito e os presentes o acompanharam, Inclusive voltou a serenidade no rosto do Procurador-Geral. E daí em diante o Oromar continuou sua peroração num clima de muita descontração. E o jantar foi inesquecível. Sei que falar em publico é uma arte porque depende do dom de cada orador, mas sobretudo de muito treino mental e boa memória. Ah, e a pessoa quando discursar nunca deve esquecer que não adianta só começar pois tem de saber o momento de terminar, porque falar demais em tempo de correrias e preocupações é o mesmo que cutucar a onça com vara curta …
“Falar em publico não é fácil mas também não é impossível para ninguém. Se fosse difícil ninguém falaria, se fosse fácil quem ouviria ?”
Édson Vidal Pinto