Flagrantes das Cidades do Interior
Passar no Concurso Público de ingresso na Magistratura ou no Ministério Público o candidato aprovado tinha plena consciência que teria de morar nas cidades interioranas do estado, cumprindo a regular marcha da carreira, até um dia poder retornar à Curitiba. Nos anos sessenta do último século só existiam três faculdades de Direito e todas elas na Capital - Federal, Católica e a Curitiba. Portanto a grande maioria dos Juízes e Promotores queriam terminar o ciclo de suas carreiras na Capital, até para facilitar que seus filhos pudessem ter acesso nas escolas superiores.
Bem diferente de hoje. E para aqueles que nunca viveram nas cidades do interior a experiência era uma verdadeira escola de vida, pois não existia saneamento, asfalto, telefone e o comércio era insipiente. As melhores residências eram para os bem aquinhoados do local que construíam as mesmas para residir com “animus” definitivo, as demais casas eram mais simples e poucas para alugar. Daí a lei exigia que para a instalação da Comarca o município teria que dispor de casas oficiais para o Juiz e o Promotor. E muitos municípios construíram também casa para acomodar a família do delegado de polícia. Mas nem todas as Comarcas dispunham dessas casas e então o jeito era alugar, às custas do erário público. Muitos juízes e promotores não aceitavam esta ajuda e pagavam seus próprios aluguéis. E como o dinheiro era curto alguns davam aulas no curso ginasial para melhor equilibrar o orçamento. Foi uma época romântica das carreiras em que prevalecia a aptidão de cada um em servir a Justiça.
Mandava quem podia e obedecia quem tinha juizo. Ninguém podia se afastar da comarca sem a prévia autorização da respectiva chefia, pouco importando se ela era próxima ou não da capital. E ninguém queria levar puxão de orelha. Dito isto lembrei e vou escrever sobre episódios de minha passagem por algumas cidades, apenas a título de curiosidade. Lapa : cheguei na cidade (1.968) quando ela completava 200 anos. São Mateus do Sul: me assustei com o fórum instalado dentro de um prédio de um antigo grupo escolar. São João do Triunfo: a solidão em forma de cidade. Rio Negro: assisti a maior enchente do rio em toda a sua história. Ipiranga: morei em uma pensão de madeira, onde pendurava meu terno nos pregos da parede.
Local onde ocorreu um tiroteio que perfurou inclusive a parede do quarto onde eu dormia. Carlópolis: a terra da doença chamada “barbeiro” (tripanossoma crucis), um parasita que se criava nas paredes de barro das casas de pessoas pobres. Jaguapitã: minha primeira residência de casado e local de origem do meu filho mais velho. Siqueira Campos: local que residi com minha mulher e filho em uma pensão de madeira, com banheiro coletivo para todos os hóspedes. Faxinal: região violenta e onde fui jurado de morte, morei por quatro anos e foi local de origem do meu filho mais novo. Umuarama: na chegada da cidade, com meu carro na frente do caminhão de mudança, encalhei num areião da rua principal. Curitiba: de volta à cidade natal.
Pena que a grande maioria dos meus colegas não escrevam sobre suas vidas pelo interior do estado, para resgatar um pouco a história daqueles que foram verdadeiros pioneiros e desbravadores quando instalaram as comarcas e nela deixaram o rastro de suas passagens. O Poder Judiciário e o Ministério Público do Paraná tem inúmeras façanhas protagonizadas por homens e mulheres que não podem ser esquecidas. E não custa repetir que a Instituição que não preserva a Memória, não sabe da sua própria História ...
“Só ingressava na. Magistratura e no Ministério Público aquele que era vocacionado, pois as carreiras exigiam sacrifício pessoal e familiar e remuneravam muito pouco.
Nada era fácil. Viver nas cidades interioranas era uma escola de vida, daí as lembranças que jamais são esquecidas por aqueles que enfrentaram mil dificuldades e chegaram onde chegaram.”
Edson Vidal Pinto
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