Fugindo da Modernidade.
Hoje, 06 de janeiro, sexta feira.
O dia amanheceu nublado no litoral, com o sol encoberto e calor ameno. Sentei na área de casa e liguei meu rádio portátil, de pilha, que guardo como relíquia. Toquei no botão e ele ligou num chiado só: estava em AM e logo coloquei em FM. O chio continuou.
De repente ouvi um pastor dando conselhos para uma moça que estava com o seu casamento a perigo, segundo ela o marido estava bebendo muito e chegava em casa embriagado transformando a vida do casal num verdadeiro inferno.
O pastor não parava de falar, parecia que estava em êxtase com a desgraça alheia. Gritava, falava no demônio, no desamor e punha a culpa nos macumbeiros! Mudei logo de estação. Entre um chiado e outro manejei o ponteiro do dial cuidadosamente, percorrendo o painel do rádio, quando deparei com outro pastor, com voz mais melodiosa, interpretando um trecho bíblico.
Em menos de um minuto procurei outra emissora, que tocava música sertaneja. Mais do que depressa troquei de estação, sintonizei uma rádio de São Francisco do Sul, cidade de Santa Catarina, com o locutor anunciando um festival de músicas Pop Americana, Lady Gaga, Madona e outras, já sem paciência mexi no dial. Outro pastor falava aos berros, com voz de vespa empanturrada, parecia que estava em transe e censurava a tudo e a todos porque o homem era o mal do mundo!
Na estação seguinte estava um padre, na outra tocava música caipira, na outra um locutor de rodeios lendo publicidade, desliguei o rádio! Coloquei um fim naquele suplício radiofônico! Jurei pra mim mesmo que nesta temporada de praia eu não me atreveria mais ligar meu precioso aparelho Philco, a marca do sucesso! Cai na triste realidade de que as concessões das emissoras foram entregues às baratas, salvo raras exceções.
Lembrei da pujança de outrora quando o rádio era a única fonte de informação, diversão e lazer. A Rádio Nacional do Rio de Janeiro, transmitindo do seu auditório do Edifício da Noite o programa Cesar de Alencar para todo o território brasileiro; a Rádio Tupi de São Paulo com uma programação eclética , a Rádio Independência de Curitiba com o programa matinal "Cacharolete o Clube do Rock" com William Sade e a noite a "Baiúca do Xiló" com Paulo Cesar; a Rádio PRB2 com o programa "Revista Matinal" com Arthur de Souza; a Rádio Cultura as 10 horas da manhã com Haroldo Lopes e Jamur Junior apresentando " Ponta de Safira" ; a Rádio Guairacá ao meio dia apresentava "
A Vista do Meu Ponto" um comentário de José Wanderley Dias e o "Jornal da Meia Noite" apresentado por Ivan Cury ; a Rádio Colombo na programação da madrugada apresentava o programa "VARIG é dona da Noite"; a Rádio Clube Paranaense ao meio dia em ponto apresentava "Jóias Musicais " com Leal de Souza, e nesta mesma emissora no domingo pela manhã Sérgio Fraga apresentava o programa "
Relembrando" ; João José de Arruda Neto , o JJ, com sua voz inconfundível fazia suas participações vespertinas na Rádio Cruzeiro do Sul; e uma gama de outras emissoras e locutores de primeira linha.
Pena que esta época de ouro da radiofonia brasileira ficou no passado. A televisão aberta, ao menos nos grandes centros, absorveu o rádio, colocando-o em segundo plano. Sua importância ficou relegada às pequenas cidades do interior como subproduto de uma sociedade preconceituosa.
E o meu radio foi para o fundo do baú. Um dia será exposto em um museu como peça obsoleta e inútil. Mas se eu fechar os olhos e me concentrar, juro que estou ouvindo uma seleção de músicas especiais transmitido pelo som nítido da extinta Rádio Ouro Verde de Curitiba! Ah! Como é bom recordar de um passado que não volta mais ...