Fui Mal.
Fiquei sem meu telefone celular deste anteontem porque derrubei-o no chão e quebrou o vidro do visor. É por isto que escrevi ontem fazendo uso do celular de minha mulher, não sei se estranhei o teclado ou o tamanho das letras, mas exagerei no tamanho da crônica.
Quando li depois de publicada me reprovei; porque quem não sabe se comunicar com um mínimo de palavras, não deve abusar da paciência dos leitores. É verdade que fiquei empolgado com a aula do ministro Barroso, preferida no seu voto no Plenário do STF que estendi demais meu escrito de ontem. Culpa minha, minha máxima culpa.
Quero me penitenciar. Vou escrever sobre um episódio forense curto e digerível, para compensar. Quando Juíza de Direito da comarca de Jandaia do Sul, no início dos anos sessenta do século passado, a saudosa Ministra do STJ, Dra. Denise Arruda teve que decidir um dos casos mais estranhos da sua brilhante carreira na Magistratura paranaense, que bem mereceria constar dentre os fatos mais pitorescos do cotidiano forense.
Naquela época a autoridade do Juiz na sua comarca era absoluta e os jurisdicionados devotavam aí mesmo o máximo respeito e admiração. Pois, bem. Era uma demanda cível em que duas irmãs discutiam sobre o espólio da finada mãe, tendo por objeto um único cobertor de casal.
Os ânimos estavam estremecidos e ambas alegavam ter mais direito do que a outra de ficar com referida peça, o único bem de valor estimativo deixado pela genitora. E para evitar que o imbróglio chegasse até a sentença, a ilustre magistrada designou audiência de conciliação entre as partes.
Embora as litigantes estivessem presentes, com seus advogados dativos, as tratativas para um acordo sempre esbarrava na má vontade de uma ou da outra.
De repente uma das mulheres disse para a Juíza:
- Doutora, a senhora não pode decidir, não?
- Sim, a senhora bem que poderia, não é mesmo?
Muito técnica e sábia a Dra. Denise esclareceu que aquela era uma audiência em que as partes deveriam procurar fazer o melhor acordo entre elas, para acabar com a demanda.
- É, mas gostaríamos que a senhora decidisse por nós...
Com paciência a Juíza tentou desconversar e continuou insistindo na conciliação entre as irmãs.
E quando viu que não teria êxito, falou para as mulheres:
- Ainda querem que eu decida?
-Sim! - responderam as duas ao mesmo tempo.
- E se eu decidir, aquela que perder não vai ficar mais aborrecida com a que ganhou?
- Não!
- E vocês prometem que vão sair daqui do fórum como duas irmãs que se querem bem? Sem mágoa e nem rancor?
- Prometemos sim senhora!
Naquele momento a Dra. Denise pensou no caso bíblico de uma criança sendo disputada por duas mulheres, cada uma dizendo que era a mãe e reclamava do rei Salomão, o reconhecimento da maternidade. Na sua sabedoria o rei mandou que uma mulher segurasse as pernas e a outra os braços da criança, depois puxou um facão para cortar o menino pela metade a fim de que cada uma deles ficasse com uma parte do corpo. Uma delas recusou.
E o rei deu a criança para a mesma:
- Tome mulher o teu filho nos teus braços, pois só a mãe verdadeira renunciaria de seu mais sagrado direito, em favor da vida de um filho!
A Dra. Denise deu graças a Deus que a disputa era apenas de um cobertor, mas teria que encontrar uma solução Salomônica que convencesse a perdedora que a proposta seria justa e certa. Pensou um pouco mais e perguntou:
- Qual das duas ficou atendendo mais tempo a mãe, quando ela ficou doente?
- Eu. - respondeu uma das mulheres.
A Juíza olhou para a outra que não respondeu nada e perguntou:
- É verdade?
- Sim, é verdade, pois era ela que morava com a mamãe. Eu morava longe.
- Então o cobertor ficará com aquela que pode atender melhor a mãe. Você concorda? - perguntou para aquela que morava distante.
- Concordo!
- Então esta é minha decisão. A audiência está encerrada. A Dra. Denise voltou ao seu gabinete. Minutos depois o oficial de justiça que assistiu à audiência entrou no gabinete da magistrada e comentou:
- Parabéns doutora, as duas irmãs saíram do fórum de braços dados.
A Dra. Denise esboçou um pequeno sorriso, pegou um processo que estava em cima da sua escrivaninha, abriu em uma folha que estava marcada com um pedaço de papel, e ficou absorta na sua leitura...
“A ministra Denise Arruda foi uma Magistrada integral, uma mulher adiante de seu tempo, ela nasceu para vestir a Toga com toda dignidade. Juiza de Direito, Juíza de Alçada, Desembargadora e Ministra do STJ, fez da Magistratura um apostolado de vida e por onde passou deixou rastro de competência e respeito. Fez e foi protagonista da Historia do Judiciário Brasileiro. Deixou saudades no coração de seus colegas, Promotores, Advogados e de quem (como eu) privou de sua amizade”.
Edson Vidal Pinto