Gafanhoto Pirata
Quero evitar de escrever na minha crônica de hoje que o coronavírus, só no último domingo na Itália, matou 387 pessoas; ou elogiar as acertadas e prudentes recomendações de cuidados e prevenções da endêmica doença, por parte do competente Ministro de Estado da Saúde, Luiz Henrique Mandetta; muito menos vou criticar a conduta presidencial quando interagiu com os manifestantes da passeata de civismo e brasilidade, ao contrariar todas as normas oficiais das autoridades públicas do país ao dar às mãos e abraçar os manifestante. Claro que o vírus da moda está no meio de nós, portanto, todo o cuidado é pouco.
Assim quero sair do lugar comum e escrever com o intuito de espairecer os leitores. Ah, também não digitarei uma única linha sobre os sofismas articulados pelo Alcolumbre em uma entrevista na noite de inauguração da CNN Brasil, de que o povo não quer passar o STF a limpo mas, sim, alguns poucos indivíduos que não pensam e têm o intuito de enfraquecer aquele poder; muito menos vou aludir sobre o malfadado nhénhénhém do bebê chorão do Maia, o insuportável.
Com tanta tragédia e suspense no ar também não pretendo escrever sobre o aumento da criminalidade em nosso estado, nem sobre as reiteradas viagens do governador para o exterior, em busca de sonhos e aparente turismo. Vou dar um chute no balde e
voltar às minhas reminiscências, pois uma coisa é certa: recordar é viver!
Meu saudoso tio Emílio Merlin, casado com a irmã mais velha de minha mãe, morava com a família em uma grande casa de madeira, na rua Santa Catarina, No. 19, há duas quadras da Av. República Argentina. A propriedade tinha um quintal dividido por um “rancho”, também de madeira, onde o filho mais velho Euler Merlin estudava com seus colegas da Faculdade de Engenharia da UFPR. Atrás desta construção tinha uma área de terreno com inúmeras árvores frutíferas que davam pêras, figos, laranjas, mimosas, além de parreiral com uvas brancas e pretas.
De um lado da casa principal tinha no fundo a garagem onde abrigava um veículo, da marca Mercury, 1954, e um caminhão para transporte de madeira. E do outro lado da casa tinha uma calçada de tijolos, sobre um pequeno declive do terreno que ia em direção ao rancho. Nesta calçada eu e meus saudosos primos Elcio Merlin e Olégario Stinglin, este filho de outro irmão de minha mãe Oscar Stinglin, ambos dois anos mais velho do que eu, brincávamos no nosso carrinho de rodas - tipo rolemã - em desabalada corrida até parar no quintal da casa.
O carrinho de madeira tinha o apelido de “Gafanhoto Pirata”. Todos juntos sentávamos no carrinho com rodas de madeira e seja o que Deus quiser. Eu tinha uma verruga num joelho em uma das descidas a dita cuja ficou no meio do caminho. Foi sangue para todos os lados, choro e muito esparadrapo. Bater a cabeça, machucar o cotovelo, perna e pé era apenas questão de tempo. Porque sempre acontecia. Lembro com saudades dos meus primos, tios, tias, mãe e pai; também da rua Santa Catarina, da numerosa família Merlin que povoava toda a rua, das brincadeiras que não tinha fim para terminar e do tempo em que a família era sinônimo de unidade. E como é bom recordar, muito bom mesmo...
“As vezes é bom se afastar um pouco do presente para mergulhar de corpo e alma nas lembranças do passado. Não é uma fuga, mas um sonho em forma de realidade. E ao recordar a casa do meu tio, vivencio cada momento, me deparo com toda a família reunida e até ouço o vento produzindo sons nas folhas das grandes árvores do quintal.”
Edson Vidal Pinto
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