Gambitos do Plebeu
Dizem que aposentado não “tira” férias porque viaja quando quiser sem precisar dar satisfação ao patrão. Não acredite porque não é verdade; o aposentado “trabalha” o dia inteiro para vencer o ócio e deixar a mesmice de lado, o que não é fácil e esgota a paciência. É por isso que precisa de férias para mudar de ares e desfrutar de lugares diferentes. Claro que com o vírus chinês assustando os terráqueos como alma penada ninguém pode abusar de viajar de avião ou ônibus, muito menos percorrer longas distâncias, optando sempre por lugares mais próximos e menos agitados.
E como habitualmente fazemos no final de cada ano passamos o réveillon em família em Guaratuba a minha praia preferida apesar de saber que toda a temporada de verão é literalmente sob a água, pois chove a cântaros. E a última virada de ano não foi exceção, bem como, no mês a chuva intermitente caiu entremeada por pequenos fios dourados de réstias de sol. Tanto que o apelido maldoso de “Guarachuva” pegou e ninguém mais liga. Hoje voltei para Curitiba depois de vinte e poucos dias sob intenso temporal que fez transbordar a piscina e encher a sacola do mercado. Metáfora para um bom entendedor.
Cheguei de viagem vestido com minha bermuda de brim, mostrando meus “gambitos” para quem quisesse apreciar a pele bronzeada de minhas pernas. Depois de descarregar a bagagem no apartamento minha mulher pediu que eu fosse na “Panificadora Requinte” comprar pães e frios. Obediente a voz de comando logo me vi na fila de para entrar na padaria, foi quando encontrei o Maurício, mecânico do meu Fiat 147, laranjado:
- Putz, meu amigo, você precisa viajar urgente para praia a fim de queimar um pouco suas pernas que estão mais brancas do que o mais puro mármore de Carrara. Chega até a fazer reflexo ...
Desgraçado, pensei com meus botões, mal sabe ele que estou chegando do litoral onde passei mais de vinte dias. Fiquei preocupado com o comentário feito, mas como bode velho não berra respondi para toda a “fila” ouvir:
- É verdade. Não só preciso como estou indo agora mesmo para praia, por isto estou de bermuda e comprando pães para levar na viagem.
E não continuamos a conversar porque tinha chegado minha vez de entrar na panificadora.
Mas na saída me deparei com o meu médico do coração que me disse:
- Precisa tomar sol, muito sol! Sol é fundamental para a vitamina “d” e faz muito bem para o coração!
Putz, com certeza ele “tirou” o diagnóstico apenas olhando os meus gambitos, finos como pau fincado em banhado.
- É por isso mesmo que estou viajando agora mesmo para Guaratuba ...
- Guaratuba? - gritou o esculápio. - Não tem outra praia, não?
- Por quê? - indaguei como se não soubesse.
- Porque lá chove muito e sol que é bom nada!
Dei uma risadinha igual as demais pessoas que estavam na fila e me afastei de ombro caído. Concluí que minhas férias foi um fracasso. Pois voltei mais branco do que fui e me tornei um branquelo com falta de vitamina “d”. Entrei no Fiat 147, laranjado, e fui até a revistaria do Supermercado Condor do Champagnat do Barigui, comprar umas revistas de Palavras Cruzadas para me distrair e esquecer a cor do meu corpo.
Daí me veio um outro pensamento sombrio: e pensar que o Michael Jackson queria tanto ser branco e eu querendo perder um pouco do polimento para ficar moreninho. Ri da besteira que pensei. Entrei na banca de revistas e a japonesa que atende me cumprimentou e disse:
- Vizinho, quanto tempo. Não pegou Covid, pegou? Está tão pálido ...
Como vou explicar para a mulher que eu estava chegando da praia de Guaratuba? Ela com certeza iria me chamar de mentiroso. E como um bom bode velho retruquei:
- Não senhora, não fiquei doente. Estou chegando das estepes Russa, a senhora conhece?
- Não, mas sei que é um dos lugares mais frio do mundo e o sol quase nem aparece ...
- Pois é de lá que estou vindo ...
E daí pude comprar o que queria e saí do local. Eu também tinha que passar na frutaria “Alface & Melancia” mas desisti, sabe Deus quem eu iria encontrar lá e que comentário poderiam fazer dos meus gambitos de vara de raia. Voltei depressa para casa.
Neste exato momento estou escrevendo minha crônica com um aparelho de luz infravermelho iluminando minhas pernas na esperança de ganhar um bronzeamento artificial. Só espero que ninguém escreva comentando que infravermelho não serve para mudar a cor da pele ou que diga que temporada em Camboriú é bem melhor do que Guaratuba ...
“Praia com chuva é pior do que tomar sorvete americano no vento. Não dá para aproveitar nada. É como ter um Fiat, 147, laranjado e desfilar na parada do Clube de Carros Antigos e achar que está abafando. Todo mundo nota só para criticar. Igualzinho aos meus gambitos.”
Edson Vidal Pinto
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