Gula perdoável.
Estou numa fase de vida que não sei definir ao certo o que eu posso ou o que não devo fazer; pois falta quase um ano para alcançar oitenta anos. Portanto, já vivi bem mais dos que meus pais, alguns dos meus tios, primos e amigos queridos. Com certeza absoluta já ultrapassei há muito tempo a faixa de chegada e tudo o que acontecer daqui para frente é um grande lucro. Claro que isto não quer dizer que eu possa fazer tudo que queira sem me importar com nada, afinal não posso ignorar os freios inibitórios, a ética e os bons modos. Conheço pessoas que aos oitenta anos de idade pensa que pode tudo, dizer barbaridades, falar alto, xingar, resmungar e responder sem pensar; espero, sinceramente, que isto nunca aconteça comigo. Quero continuar sendo o que sempre fui : respeitoso, tolerante e comedido nas palavras e atitudes. Confesso que moço, ainda na idade acadêmica, eu gostava de “pitar” uns cigarrinhos mas dos outros, porque nunca comprei uma única carteira de cigarros, era por assim dizer um “filante” profissional. Depois de casado nunca fumei em casa, no carro, na presença de minha mulher, dos meus pais e dos meus filhos, pois tinha consciência que era um péssimo exemplo. E por fazer mal a saúde. Com trinta e poucos anos desisti de “filar” e nunca mais fumei. Foi quando eu e um grande amigo de nome Gerson Gebert, médico e professor da Escola de Medicina da UFPR, fizemos uma promessa de que só voltaríamos a fumar (uma única vez) quando fizéssemos oitenta anos de idade (ambos temos a mesma idade e alguns dias de diferença). Só que não seria fumar um cigarro ou uma carteira de cigarros, mas, sim, uma “fila” de cigarros colocadas de um lado ao outro de uma mesa retangular, pelo lado mais comprido, quando então fumaremos até o pulmão ficar preto e os alvéolos morrerem sufocados na fumaça. Loucura? Pode até ser, mas depois dos oitenta anos a idiotice pode ter vez uma vez na vida. Afinal ninguém ficará para semente. O trato foi fumar uma fila de cigarros e nunca mais pensar em repetir tamanha tolice. Coisa de dois piás velhos e sem juízo. Uma outra coisinha : comer quitutes gostosos, frituras, feijoada, Mac Donald, batata frita, bacon e todo o tipo de comida que aparecer na frente, sem receio de ser feliz. E isto não será fácil por causa da barriga e do peso, pois ambos somos cardiopatas e não podemos ultrapassar dois dígitos na balança. E a barriga? Outra coisa que chateia pois nossas protuberâncias abdominais são visíveis, a camisa aperta no umbigo. O jeito é comer com gosto mas dando um espaço de tempo entre uma refeição calórica com a outra, para que a barriga cresça aos pouquinhos.
Digamos assim, uma gula perdoável, onde o peso aumenta na medida em que o templo quadruplica, eis uma maneira de enganar a si próprio. Mas, francamente, depois dos oitenta anos o quê esperar mais? Um convite para ser astro de cinema ou para concorrer o Mister Universo ? Participar da Corrida de São Silvestre ? Claro que não. Será o momento de fumar, beber, comer, dormir sem horas para acordar, não fazer exercício, assistir TV comendo bolacha e tomando Coca-Cola, e assim desfrutar o lado bom da vida para dar serviço e preocupações ao querido cardiologista, o amigo de todas as horas…
“Ah, quando eu fizer oitenta anos serei alforriado, vou entrar de cara na gastronomia e me fartar de comer o que me der vontade. As consequências e preocupações vou transferir ao meu cardiologista. Meu peso e barriga não vão aparecer na foto. Tudo porquê não sou fotogênico!”