Horário Nobre
Embora aposentado continuo tendo compromissos que preenchem praticamente todo o meu dia, óbvio que não chegam a ser horários rígidos, porém, o suficiente para me tirar do ócio e me deixar cansado. Sou voluntário para inúmeras tarefas. Nos poucos dias de folga sou Uber de minha mulher, mas com satisfação pessoal porque gosto da sua companhia e sempre nos divertimos muito com nossas conversas e lembranças.
E pensar que neste ano estaremos completando Bodas de Ouro, cinquenta anos de cumplicidade e muito amor. Graças a Deus. E quando saímos de automóvel, principalmente no período nobre da tarde, ou seja, entre catorze e dezessete horas, nunca deixo de externar minha indignação por ver jovens casais com filhos, trafegando com seus veículos despreocupadamente e com aparência de que não têm nenhum compromisso a cumprir:
- Meu bem, será que esse pessoal não trabalha? É dia útil e horário de serviço, ou será que vivem de rendas? - esta é a minha pergunta costumeira.
Minha mulher dá uma risadinha, mas não responde. E eu insisto:
- Veja quantos casais com filhos estão indo na nossa frente e também do nosso lado? Para onde vão? Vivem do que?
- São felizardos, pois não precisam trabalhar...
- Mas todos??? Olhe ali na praça: a mãe empurrando um carrinho de bebê e o pai, vestido de calção e camiseta, caminhando ao lado. Ninguém trabalha? Quem sustenta a casa?
- Difícil de saber...
Depois de percorrer algumas quadras vejo um bar, com várias cadeiras e mesas colocadas na calçada, com jovens de várias idades, sentados e tomando cerveja. Olho meu relógio e penso:
- São estudantes? Tem uns que aparentam trinta ou mais anos, são velhos demais e vivem de ar?
- Difícil de saber, talvez à custa dos pais, a chamada “bolsa família”...
E quando trafego pela Sete de Setembro, vejo um grupo de “desassistidos” dormindo em plena tarde sob a marquise de um prédio, rodeado de cachorros, atrapalhando os pedestres na calçada e os comerciantes da redondeza.
Fico calado. Minha mulher cutuca:
- E esses aí?
- Uma nova população nômade de ciganos do asfalto, tem privilégios, são intocáveis e odeiam trabalhar.
Minha mulher apenas sacudiu a cabeça e não disse nada. Ficamos em silêncio. E nos shoppings? Estes tem gente para mais de metro: crianças, adolescentes, adultos e idosos batendo pernas, vendo vitrines, comendo, passando o tempo e até comprando; mas a pergunta que eu faço sempre é a mesma: ninguém trabalha? Ninguém estuda? Será que todos pagam suas dívidas na data do vencimento? Será que todos são aposentados como eu?
E olhando os modelos de automóveis nos estacionamentos dos shoppings verifico que quase todos são novos, bem equipados e nos feriados prolongados famílias inteiras descem para o litoral ou saem da cidade, sem aparente preocupação do que vai ou pode gastar. E nos aviões então: quanto mais longa a rota os voos estão lotados todos os dias, num vai e vem frenético de pessoas de todas as idades, trajes, sotaques, com filhos e sem filhos, e o custo da passagem um verdadeiro roubo legalizado. E dinheiro da onde? Quem paga?
Os políticos e funcionários públicos todos sabem que os contribuintes pagam; os executivos são custeados pelas empresas; os comerciantes de seus próprios bolsos; os petistas da divisão de seus saques; e os honestos através de financiamento das agências de viagens ou dos criminosos cartões de crédito. Daí vem à pergunta que não quer calar: o Brasil ainda tem jeito? Só de pensar nos Maias, Zé Dirceus, Caetanos, Toffolis, Gilmares, Lulas etc, chega até embrulhar o estômago, para não escrever coisa pior.
Eu quero saber como ficarão amanhã meus netos neste cenário que é uma triste realidade; em qual segmento social vão se ajustar? Minha geração fracassou de verdade, pois somos os únicos responsáveis por esse estado de coisas...
“Mea culpa. A geração do qual pertenço está deixando aos poucos o palco da vida e um triste legado aos que ainda estão por vir. Eu me refiro ao “conjunto da obra” : a licenciosidade, que destrói e corrompe; a permissibilidade , por aceitar tudo calado; e a omissão que é o mais grave pecado que o ser humano pode cometer no meio social em que vive”.
Edson Vidal Pinto
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