Incidente na Ponte da Amizade
No século que passou era uma festa comprar bugigangas e mercadorias importadas nas regiões fronteiriças do Estado do Paraná. Dentre as cidades que disputavam a preferência dos moradores e turistas estavam Barracón, Guairá e Ciudade del Leste (antes com o nome do ditador paraguaio). Esta última indiscutivelmente a mais procurada e importante pelo seu comércio pujante. E de longe a mais problemática pelo que acontecia na Ponte da Amizade.
Toda ação policial ou da fiscalização levada a cabo no lado brasileiro da ponte tinha igual reflexo no lado paraguaio. Era como encenação de briga de vizinhos ranzinzas. Era comum que alguns destes "incidentes" envolvessem pessoas que sofriam constrangimentos e ameaças de prisão. Os juízes e promotores que militavam no fórum de Foz do Iguaçu, de quando em quando, eram solicitados para comparecer na aduana a fim de mediar algumas destas situações peculiares e que envolvia pessoas conhecidas. Lembro vagamente de um destes episódios que me foi contado e faz parte do pitoresco forense. A Polícia Federal resolveu fazer uma blitz para verificar a documentação dos transeuntes da ponte. Igual medida foi adotada pela Polícia Federal Paraguaia. No fórum de Foz do Iguaçu bateu o telefone. Era uma pessoa querendo falar com um promotor de Justiça. Um deles atendeu.
Não vou registrar o nome por motivos óbvios:
- Alô, atendeu o promotor.
- Alô...
- Quer falar com quem
- Quero falar com um colega do Ministério Público...
-Quem está falando?
- Aqui Damásio Evangelista de Jesus.
- Vá brincar com outro. Quem está falando?
- Colega, eu sou o Damásio...
O promotor desligou o telefone e disse aos demais promotores presentes que era alguém dando trote! Na época o professor Damásio tinha lançado duas obras jurídicas mais lidas por profissionais e alunos de Direito: Código de Processo Penal Comentado e Código Penal Comentado. Era, por assim dizer, um jurista nomeado e festejado no Magistério Superior e no campo jurídico. A tentativa de "trote" usando o nome de tão ilustre figura se esboroou.
Novo telefonema. Outro promotor mais comedido atendeu:
-Quem fala?
- Colega, por favor, não desligue o telefone, eu sou o seu colega do Ministério Público de São Paulo, Damásio Evangelista de Jesus...
- ???
- Estou com um probleminha na blitz da Polícia Federal paraguaia. Deixei no hotel, inadvertidamente, o meu documento de identidade e estou detido!
- Professor Damásio, é o senhor mesmo?
- Sou eu, mesmo!
Depois de mais algum tempo, os promotores de Foz do Iguaçu caíram na real: o professor Damásio que está no telefone é mesmo o professor Damásio! E em comitiva todos os promotores saíram do fórum e foram ao encontro do querido mestre. O incidente foi contornado e no final tudo acabou num jantar festivo e muita risada por um "trote" que nunca existiu. O promotor que identificou o professor foi o Dr. Jony de Jesus Campos Marques, um profissional comedido e lhano que dignificou tanto a beca de barrete vermelho do MP como a Toga que vestiu por quase duas décadas. Hoje, aposentado.