Lamuriar, não Adianta!
Godofredo, o gato angorá de pelo branco, bigodes bem aparado, sempre com olhar de soberba por pertencer à classe alta do Senado Federal, dormiu como um príncipe depois que soube do resultado da Suprema Corte, que manteve Lucas Frajola, o gato tinhoso, na Presidência da Casa. Ah! Que dia esplendido para a privilegiada estirpe da gatunagem, e pensar que hoje é o dia da Justiça! Que bom viver neste país tropical, abençoado por Deus, bonito por natureza. Frase que deu até música! Godofredo acordou disposto e bem humorado, estava no auge de sua vida pública , tinha eleitores fiéis em número suficiente para garantir sua próxima reeleição a tão consagrador cargo público. Ser senador no país da Gatolândia não é para qualquer mortal. Gostava das sessões plenárias para tomar cafezinho e bajular o chefe, o Presidente Frajola.
Este era um líder nato, estava acima de qualquer lei e nem dava bola para atender oficial de justiça, não perdia tempo para dar atenção a pouca coisa. Acatar decisão judicial estava fora do seu mundo, pois era importante demais para cuidar de formalidades menores. É por isto que Godofredo adorava a sua vida de senador, jamais pensou em disputar cargo menor como de deputado porque este não goza de benesses e nem de conchavos com alguns membros do Tribunal Maior. Ah! Que vida boa, dizia consigo a cada minuto.Lembrou de repente que tinha uma tarefa muito agradável pela frente, fazia parte da Comissão formada para elaborar um substitutivo do projeto popular denominado originariamente de "Dez Medidas de Combate a Corrupção" , e estava disposto a dar total apoio para anistiar com urgência o "Caixa 2" e enfezar a vida de Juízes, Promotores e policiais enquadrando-os como malfeitores e nocivos à corrupção.
Seu posicionamento era questão fechada com o relator da matéria. Não entrava na sua cabeça o porquê combater a corrupção , esta no seu sentir é mola propulsora de qualquer agente público para obter a sua independência econômica, de ver a vida com outros olhos, sem inveja e nem ódio. Por que acabar com isto? Pobre não sabe o que é bom e vive comendo o pão que o diabo amassou, passando final de semana em Matinhos , assistindo na TV aberta o programa do Faustão e tomando gasosa vermelha da Cini , mas não perde a esperança de querer moralizar o país.
Por que? Por que não se juntar com a turma que mama? Godofredo sempre fica indignado com o clamor do povo que não entende a sua classe de político , pois se o povo quiser participar é possível dar um jeitinho, tudo é o possível nesta terra de Sarney . Só não é possível querer por ordem e moralizar esta terra! Não, não e não! Pronto, o bom humor de Godofredo , sumiu!
Ele não gosta de pensar no que o povo quer, nem em mudanças que implique no final de suas regalias. Seus olhos cor de amêndoa, escureceram, o pelo das costas ficou ouriçado, suas unhas retrateis se alongaram e com puro ar de deboche, querendo "desopilar seu fígado", passou a mão no telefone e quando uma voz do outro lado da linha atendeu, perguntou com voz suave :
- Quem fala?
- O Moro!
- Ah! Feliz dia da Justiça para você e todos os seus colegas!
Em seguida desligou de pronto o telefone. Satisfeito, ronronou , deu a melhor espreguiçada da sua vida e ficou calminho como nenê em berço de ouro . Estava satisfeito porque fez a sua sacanagem do dia. Ah! Que vida bela!
E quanto a nós? Temos que rir de nós mesmos, para não chorar! Lamúrias não adiantam mais ...