Malvada Pinga
A vida no interior do Estado exigia do juiz uma conduta impecável. Ele teria de ser o melhor exemplo de cidadão a ser seguido. O uso da gravata era o mínimo que a Corregedoria da Justiça exigia como símbolo de respeito aos jurisdicionados. Bem diferente de hoje, não? Sinal dos tempos e da flagrante perda de autoridade. Até no tribunal uns e outros trabalham de calça jeans e camisa de manga curta. Tudo normal ao que parece.
No tempo de ontem era diferente. Em certa Comarca o juiz de Direito gostava de bebericar um golinho de “mé” depois do expediente forense. Um dia sim e o outro também, o meritíssimo encostava o umbigo no balcão de um bar, localizado nas imediações do fórum, e quando ia para casa meio que trançava as pernas.
A atitude pouco recomendável tornou-se comentário na cidade e logo chegou aos corredores da Corregedoria-Geral da Justiça. Dias depois, o corregedor chamou o juiz em seu gabinete e passou-lhe uma descompostura. Quando voltou para a comarca, o magistrado deixou de frequentar o bar e passou a tomar seus golinhos em sua própria casa. Mas todo o dia em que chegava no fórum não podia esconder o seu hálito etílico. A cachaça tornou-se uma necessidade diária.
Um dia foi realizada sessão do tribunal do júri na comarca de um crime de grande repercussão na região. Além do promotor, que era um bom orador, o advogado do réu tinha sido contratado da capital e era considerado uma “figuraça” do júri.
A população em peso acorreu ao plenário do fórum. A sessão iniciou rigorosamente às 13 horas em ponto e prosseguiu horas a fio. Além do interrogatório foram ouvidas várias testemunhas de ambas as partes, sendo que a tréplica começou por volta das 18h30. Horário em que "secou" a garganta do meritíssimo. Ele sentiu falta de um golinho da "branquinha". Incomodado, passou a mão na boca e na garganta, sentiu um pingo de suor escorrer pelas costas. A testa ficou úmida, a cadeira em que estava sentado ficou desconfortável, a toga ficou apertada e a garganta cada vez mais seca. O escrivão criminal que secretariava o júri, sentado ao lado do juiz, logo percebeu o porquê daquele desconforto.
Chamou com um sinal de dedos a copeira do fórum e lhe cochichou no ouvido algumas palavras. Esta, logo depois, veio com um bandeja com algumas xícaras de café e dentre estas uma xícara contendo pinga. Serviu cafezinho para o promotor, advogado, escrivão e integrantes do Conselho de Sentenças, e colocou a xícara com pinga sobre a mesa, em frente do juiz.
No início o meritíssimo não notou o conteúdo da xícara, porém logo começou a sentir um cheiro inconfundível da bebida. Ficou tenso. Olhou fixamente para o público presente, para o lado esquerdo não viu nada de anormal, mas quando olhou para a direita viu o escrivão com o dedo polegar para cima, com um leve sorriso nos lábios. Entendeu de pronto a mensagem. Pegou com uma das mãos a asa da xícara, olhou com ar despreocupado para todos os lados, levou a mesma perto da boca, soprou uma, duas e três vezes e sorveu aquele líquido maravilhoso. Dizem que ninguém ficou sabendo dessa história. O segredo permanece até
hoje!