Meu Personagem Lembrado.
Nesta série relembro personagens que pelas suas trajetórias de vida enriqueceram com seus exemplos o mundo de muitos operadores do Direito. Foram pessoas especiais que por suas personalidades e inteligências cativaram todos aqueles que privaram, mesmo esporadicamente, de suas convivências.
O intuito é preservar viva a memória dos que poderiam figurar na galeria de cidadãos inesquecíveis. Lembro-me do nosso homenageado da Faculdade de Direito da PUC, turma de 1.967, Prof. Dr. Lamartine Corrêa de Oliveira Lyra, de saudosa memória. Vencida as provas do difícil vestibular da Católica, época em que o latim no Curso de Direito era obrigatório e cujo examinador era o exigente Pe. Zotter; e no final do certame dentre os aprovados constituímos uma classe de cinquenta acadêmicos, todos do sexo masculino. Fomos conhecidos como a sala do “clube da Bolinha”.
E no final dos cinco anos de estudos jurídicos e teologia, nos formamos em quarenta e uns novos bacharéis. E da turma foram muitos destaques na área jurídica: Johnson Sade, Wilson Warraftig, João Casillo, Carlos Eduardo Lobo da Rosa, Dinarte Pierri Vaz, Percy Araújo, Arno Wolf, Manoel Frederico Bompeixe Carsten, Uliar Brunetti, Clovis Caliari e Gabriel Lustoza Nogueira,dentre outros.
E apesar de passados quase cinquenta e dois anos da data da formatura, pelo menos dez dos que moram em Curitiba, ainda se encontram uma vez por mês para um jantar repleto de saudades e na companhia de alguns queridos “agregados”.
E como não poderia faltar os nossos anos de bancos universitários são sempre lembrados com passagens que fizeram a história de nossa turma. Depois de um primeiro ano morno de matérias de conteúdo muito técnico, foi no segundo ano que conhecemos o nosso futuro homenageado.
Homem de temperamento agitado entrou pela primeira vez na sala de aula lecionando desde o primeiro momento em que abriu a porta para entrar e só parou de falar no final do horário, para anotar no livro de chamada os nomes dos alunos presentes.
Como a classe era pequena na terceira ou quarta aula ela já sabia o nome de todos e o que era pior, com olho clínico tinha consciência daqueles que eram mais dedicados e interessados nos assuntos jurídicos.
E como todo bom professor era muito rigoroso, daí, tinham os que gostavam e os que apenas suportavam. Estes fatalmente ficavam em segunda época ou dependência na cadeira. Em geral nunca uma turma estudou tão bem Direito Civil como nas aulas que o Mestre proferia na Católica e na Federal.
Mesmo na intimidade do reduto universitário ele era respeitado e ninguém ousava atravessar certos limites. Só uma vez, isto aconteceu. Foi no quarto ano do curso. E como testemunha foi quem também pagou o pato. Meu colega e amigo Wilson Warraftig (o Bob) era um dos poucos alunos que tinha automóvel, um DKV, sedan, de cor preta, que era tratado como pão de ló, sempre limpo e conservado.
Como a faculdade era no Prado Velho (onde hoje está o Campus da PUC) eu tinha o privilégio de ser o seu carona até o centro da cidade, pois sempre limpava a sola do sapato antes de entrar no veículo. E também porque eu acatava todas as exigências do zeloso motorista. Foi em uma manhã de inverno chuvoso e frio que o Bob (comigo dentro do carro) resolveu agradar o professor dando-lhe uma carona.
Quando dava aula o Mestre Lamartine limpava com a manga do paletó as palavras que escrevia com giz no quadro-negro, cujo pozinho branco caia na calça do terno e nos sapatos. Ele não ligava muito para a aparência.
Pois bem, com chuva e frio, o professor aceitou a carona e eu fui para o banco de trás. No início do trajeto tudo estava indo muito bem, porém na metade do caminho da longa Rua Marechal Floriano o Professor viu que seus sapatos estavam sujos de pó de giz e sem cerimônia colocou o pé calçado no painel do carro na tentativa de limpar um deles; e isto bastou para o pior acontecer.
O Bob freou bruscamente o carro e gritou:
- Professor, saia do meu carro! Não admito que o senhor limpe o seu sapato sujo colocando o mesmo no painel brilhante do meu carro!
E o Mestre desceu do automóvel no meio da rua, com chuva e frio, atônito com a reação do seu aluno. Foi o ano em que ficamos em segunda época e dependência da matéria para o quinto e último ano universitário. Nunca eu e o Bob estudamos tanto para passar em Direito Civil.
E só passamos na prova oral. Valeu a pena. Conto o episódio com saudades de um extraordinário professor que por unanimidade foi homenageado por todos com o nome de nossa turma de bacharéis. E quem foi seu aluno com certeza pode atestar o que acabei de escrever...
“Homem de estatura média, óculos de aro grosso, rechonchudo, sempre vestido de terno e gravata, com uma mala de couro na mão era na aparência um homem comum. Em uma sala de aula um professor como poucos, vocacionado para o Magistério Superior ensinou Direito Civil e só granjeou admiradores entre seus alunos. Seu nome: Lamartine Corrêa de Oliveira Lyra!”
Edson Vidal Pinto