Meu Violão Implodiu No Peito do Meu Amigo
Gosto de música de verdade aquela que não dói nos ouvidos e toca levemente na alma para nos transportar por um mundo imaginário e feliz.
Em casa o hábito diário é encher o ambiente com notas musicais, orquestras e vozes de artistas bem afinados que nunca caem no esquecimento porque fazem ou fizeram parte de algum momento especial de nossas vidas. Tenho até hoje o meu violão que ganhei de minha mulher anos depois de ter perdido um outro cuja história vou contar logo mais adiante, porém nunca aprendi a afinar e não toco nada bem.
Sou um autodidata que aprendeu a colagem das cifras e tento enganar (sem sucesso) quem suportar me ouvir tocando e cantando. Na adolescência martelei o pobre instrumento sem dó e nem piedade sentado no muro da casa dos meus pais na rua Des. Motta, também na esquina desta com a Avenida Iguaçú com meus amigos do bairro sob a luz de um poste de iluminação pública; e nos bailinhos das garagens que era comum numa certa época. Foi quando integrei o quinteto musical “Os Tropicais” com os amigos Osvaldo Chain, de saudosa memória, Vernon, Arnoldo e Rodney França, este residente no Rio de Janeiro é um exímio guitarrista e como profissional tocou em bandas famosas e inclusive no programa “Jovem Guarda” do rei Roberto Carlos. O grupo durou pouco apesar de boas apresentações em clubes e cidades do interior, pois no seu devido tempo cada um seguiu seu caminho em busca de seus objetivos.
Eu fiquei com meu violão martelando o pobre coitado que não tinha culpa nenhuma por eu não ter chegado ao estrelato. Brincadeira é claro. O violão contudo me fascina pois gosto de ouvir quem sabe solar, cantar e tocar e não me canso quando são músicas do cancioneiro brasileiro. O poeta Guilherme Figueiredo na sua sensibilidade imortalizou o violão quando escreveu: “ O violão, ah o violão que carregas no peito, tem a forma, tem o jeito, quase perfeito, do coração.” E pensar que o meu violão sofre quando está colado no meu peito. E o violão que implodiu ? Vou contar sua triste história. Ainda jovem comprei com muito custo um violão “Di Giorgio” e tinha ciúmes dele quando alguém pegava para tocar porque tinha medo que pudesse ser esfolado ou quebrado.
A mania era fazer serenatas em qualquer lugar de Curitiba. Na minha turma de amigos tinha o Fernandinho Flores, filho do Major Fernando Flores um proeminente político da época, que era um ótimo acordeonista e tocava muito bem violão. Mas ele tinha um grave problema de visão e enxergava com muita dificuldade, tropeçando quando tinha obstáculo à sua frente. Chegou um dia que ficou apaixonado por uma moça que morava lá pelo alto do bairro Itupava , no segundo andar de um pequeno prédio de apartamentos.
E pelo menos cinco da turma, inclusive eu porque tinha emprestado meu violão para o “Romeu Apaixonado”, fomos com o Fernandinho fazer serenata para sua eleita. Quando chegamos no local vimos que ao lado do prédio tinha um terreno com um outro imóvel em construção mas que ainda estava no começo da obra, porém, com materiais ali depositados. E para cantar mais perto da janela do quarto da moça seria preciso adentrar na área da construção. Só que estava escuro como breu e assim com todo o cuidado fomos tateando os obstáculos para chegar no lugar mais estratégico e começar a cantar.
O Fernandinho que pouco enxergava teimou em ser o primeiro da fila e levava meu violão junto ao seu peito. De repente ele tropeçou e caiu dentro de um pequeno cercado de tábuas que os operários fizeram para misturar o cal com o cimento, numa verdadeira paçoca dentro de muita água. E como ele caiu de frente o meu violão implodiu em seu peito. Foi primeiro um grande susto e depois que ele se levantou “pintado” de branco da cabeça aos pés foi uma gargalhada só ! E a serenata terminou antes de começar. Não tinha mais violão que acabou ficando estraçalhado no lugar da queda. E como disse no início : já casado e chefe de família, minha esposa me presenteou com outro violão que eu continuo martelando com a mesma vontade e ainda sem saber afinar. E quando o instrumento desafina dou um pulo na loja de meu amigo Edison Zimmermann e ele pacientemente faz a afinação. As vezes até cantamos juntos. Afinal “quem canta, seus males espanta” …
“De todos os instrumentos de corda sem dúvida o mais difícil de tocar é o violino e o mais fácil o sino de Igreja. O violão é menos difícil mas exige apurada técnica ou dom -, eu só martelo o pobre instrumento e não sei afinar. Mas ainda vou aprender a lidar com suas “manhas” pois tenho só 76 anos de idade e com certeza um dia chegarei lá.”
Édson Vidal Pinto
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