No Salão de Barbeiro
Postado por Edson Vidal Categorias // Flagrantes do mundo jurídico - Por Édison Vidal Lidos 151
Tem ambientes folclóricos em que a gente participa por obrigação e ouve tantas histórias que daria para escrever mil contos sem fim. E como bom observador dos fatos do cotidiano eu não perco a oportunidade de ficar com os olhos e ouvidos atentos quando estou em um desses lugares. Destaco hoje o salão de barbeiro.
O senhor que corta minha vastíssima cabeleira sabe que eu falo pouco e por isto quando chega a minha vez de ser atendido ele quase não abre a boca. Na verdade eu chego no local, cumprimento respeitosamente os presentes e falo muito pouco na esperança de ouvir algum assunto que possa se prestar para redigir uma de minhas crônicas.
Para não me distrair nem revista eu leio. E quando sento na cadeira e começa a poda de meus últimos fios de cabelo olho no espelho e vejo pequenos chumaços de “algodão” brancos se esfarelando sobre o avental que me obrigo a vestir. Sinto profunda melancolia que bem reflete o porquê do meu respeitoso silêncio. Pois é assim que dou adeus aos fios de cabelos que jazem sobre meus ombros.
E não demorou muito chegou um cliente que sentou na cadeira ao lado da minha, com vasta cabeleira grisalha, bem vestido, falante e muito comunicativo pois falava em alto e bom som para quem quisesse ou não quisesse ouvir. Pensei com meus botões : personagem que eu estava esperando. Fiquei em obsequioso silêncio.
Ele foi logo dizendo que tinha voltado de férias da Europa, num “rápido” giro de 26 dias, aguçando, assim, a curiosidade de todos os circundantes.
- Em quais países ? - quis saber o barbeiro que começava a lhe cortar o cabelo.
- Bélgica, Alemanha, França e Inglaterra …
- Novidades ? - insistiu o barbeiro.
- Ah, em Londres visitei uma senhora idosa que foi amiga de minha falecida mãe aqui em Curitiba .
- Então ela é brasileira ?
- Não, ela é inglesa mas morou por aqui quando seu marido também inglês veio a trabalho. E foi incrível o que eu ouvi dela, que agora é viúva, aposentada e vive numa casa com um filha solteira.
Todos aguçaram seus ouvidos para ouvir o que o homem iria dizer:
- Ela contou que havia esquecido de pagar a conta de luz no final do mês e sabe o que aconteceu ? Cortaram a luz da casa da mulher com certeza, foi ao que parece o que todos que estavam ouvindo pensaram.
- Pois sabe que dez dias depois do vencimento do boleto de pagamento, três funcionários do governo foram até a casa da mulher para saber o motivo pelo qual ela não pagara a conta da luz.
- Foi puro esquecimento. - ela respondeu.
É um dos homens indagou:
- Por acaso a senhora não está passando alguma dificuldade financeira ?
- Não, não estou.
- Seus proventos de aposentadoria estão sendo suficientes para a senhora se manter com dignidade ?
- Estão, sim. Não paguei a conta de luz por descuido …
- Podemos entrar em sua casa e olhar o interior da geladeira ?
- Podem entrar e ficar a vontade. - disse a mulher.
Os funcionários então foram conferir o conteúdo da geladeira, o armário de mantimentos, os produtos de higiene para limpeza e tudo foi registrado em um bloco oficial que carregavam. Eles queriam ter a certeza de que o dinheiro pago pela previdência social estava suprindo o suficiente as necessidades da beneficiaria.
Depois de efetuarem as diligências necessárias, quando estavam se despedindo da senhora, um deles ainda lhe fez a última pergunta :
- A senhora precisa que a pensão tenha algum acréscimo ?
E ela respondeu que não precisava porque o que estava recebendo era suficiente.
Olhei para as demais pessoas que ouviam o relato do fogoso viajante e todos estavam de olhos arregalados e pouco acreditando no que estavam ouvindo. Pois parecia um mundo fora do “nosso” mundo.
Mas daí o homem aproveitou para dar o tiro de misericórdia:
- Pois não há de ver que no mês seguinte, quando a senhora foi receber sua aposentadoria, constatou que tivera cem libras a mais em seus proventos ?
A plateia suspirou. Eu fiquei mudo. Minha cabeça estava sem saber se era ou não uma história verdadeira. Pois é difícil de acreditar no país em que vivemos que isso possa ter acontecido. E o homem então arrematou:
- Dias depois da visita dos funcionários a aposentada também recebeu uma correspondência Oficial da Rainha, pedindo desculpas pela invasão de privacidade por parte dos servidores da previdência, justificando que era necessário para aferir a sua qualidade de vida.
Sai atônito do salão de barbeiro. Entrei no carro, olhei para todos os lados para me certificar que não tinha ninguém me vendo e chorei. Chorei de verdade. Pois parecia que eu tinha ouvido um sonho. Mas me recompus a tempo. Entrei no carro e quando me dei conta que estava passando na frente da casa da Maria Louca não pude me conter e buzinei sem parar. Claro que o som da buzina estridente foi para que ele ouvisse. A intenção não era coisa boa, nenhum pouco boa. Era de raiva. Mas na quadra seguinte da via pública me refiz e me senti como se tivesse alcançado o Nirvana …
“O aposentado brasileiro é um estorvo para o governo e considerado descartável para a família. Todos com biografia de vida recheada e sem merecer um pingo de consideração. Até os salários dos que estão na ativa com os dos aposentados são diferenciados. É uma injustiça dolosa.”
Édson Vidal Pinto