No Tempo do AI-5
Tem gente que não viveu na época do Regime Militar e fica com pruridos só de ouvir falar no Ato Institucional No 5, como se este fosse o pior de todos os males causados aos brasileiros. Eu nesse período, então como Promotor de Justiça, trabalhei sob a sua vigência de 1.968 até 1978, ou seja, quando por imposição da carreira trabalhava e morava no interior do estado. Nunca tive nenhum problema com setores do governo federal e exerci meu cargo com plenitude sem qualquer influência externa que inibisse minha independência funcional. Uma única vez testemunhei a presença do AI-5 no episódio que vou relatar.
No mês de janeiro de 1.970 assumi a titularidade da Promotoria da Comarca de Carlópolis deixando para trás o degrau das substituições, iniciando assim minha jornada como Promotor de Justiça. Eu estava na comarca de São João do Triunfo quando recebi um telegrama do Prof. Ary Florêncio Guimarães, Procurador-geral de Justiça, comunicando minha promoção e determinando que assumisse imediatamente a minha nova comarca. Eu nem sabia onde ficava e me vali de um mapa pendurado na parede do fórum para localizar Carlópolis.
Norte velho, na direção de Santo Antônio da Platina, entre Joaquim Távora e Fartura (SP), bem na divisa do Paraná com São Paulo. Dois dias depois eu estava chegando de ônibus na minha comarca. Não tinha Juiz de Direito titular. Fui morar no único hotel da cidade, um pequeno prédio de material, onde no térreo funcionava uma cerealista de café e no piso superior alugavam quartos para viajantes.
Só a rua principal era asfaltada (três quadras), tinha uma churrascaria (onde passei a fazer minhas refeições) e o fórum funcionava num prédio que também era a Prefeitura Municipal. O Prefeito (peculatário) foi cassado pelo AI-5 e no seu lugar foi nomeado um Tenente-Coronel do Exército, vindo de São Paulo. Portanto o município era governado por um Interventor Federal. O vice-prefeito não foi cassado, mas não pode assumir a Prefeitura. Meses depois o Interventor morreu de enfarto. Surgiu um impasse: quem deveria assumir o cargo de Prefeito? O vice-prefeito dizia que era ele, mas o presidente da Câmara Municipal contestava alegando que deveria assumir o posto, vez que o vice não assumiu quando morreu o prefeito eleito.
A discussão gerava em torno do AI-5. E como não tinha Juiz titular os políticos me instaram a dizer quem deveria assumir a prefeitura. Sabedor que o então Secretário de Estado da Justiça Des. Lauro Fabrício de Melo Pinto estava pernoitando em Jacarezinho, fui até aquela cidade para informar a morte do interventor e pedir orientação sobre quem deveria sucedê-lo. Conversei com o Secretário no Hotel Municipal e ele mandou o Vice-Prefeito assumir.
Por cautela solicitei que a determinação fosse datilografada em um papel para minha garantia. No amanhecer do dia retornei à Carlópolis e transmiti aos políticos da cidade a orientação dada pelo Secretário da Justiça. E começou então a festa com gritos e foguetórios por parte do grupo do vice-prefeito, para tristeza da turma do presidente da Câmara. Mas a alegria durou pouco.
Trinta dias depois pelo AI-5 foi nomeado um novo Interventor Federal para Carlópolis, na pessoa de um professor do ensino médio da cidade de Santo Antônio da Platina de nome Homero Ravedutti. Era assim o AI-5 nas hostes políticas, mas o país continuava sua marcha e para os cidadãos de um modo geral sem qualquer sobressalto ...
“Testemunhei uma única vez a aplicação do AI -5, quando fui Promotor de Justica da Comarca de Carlópolis. Porém referido ato de exceção jamais interferiu na minha independência funcional e nem na minha vida de cidadão. Sei que na sua vigência muitos baderneiros fecharam a boca e tiveram comportamento exemplar. Principalmente os de militância política.”
Edson Vidal Pinto
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