No tempo do cassino do Ahú
Digo e repito: domingo é dia de relax e de jogar conversa fora, por isto, escrevo um texto para uma boa diversão.
O inesquecível e saudoso curitibano Aramis Milarch ao prefaciar o livro de Alceu Schwab “A Música no Cassino Ahú”, assim escreveu: “Como tantos outros aspectos do cotidiano de uma época, os tempos dos cassinos que floresceram por mais de duas décadas - até que o Decreto-lei No. 9.215 de 30 de abril de 1.946, assinado pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra os colocou fora da lei - representavam grandes espaços para que cantores, músicos, atores, atrizes, malabaristas e toda uma fauna artística ali tivessem um bem pago mercado de trabalho. Nos anos 30/40 - como hoje continua a acontecer em todas as partes do mundo em que o jogo é legalizado - os cassinos ofereciam, ao lado de sua feérica tentação em roletas e cartas em mesa de pano verde, as ilusões de fazer fortunas em poucos minutos e também shows que não se viu em outras partes”. Para os que viveram aquela época serve de recordação e vitrine de um tempo de Curitiba da garoa, bem diferente dos dias atuais, quando as distâncias eram inexistentes e o tempo sinônimo de tranquilidade. Ah, como não lembrar do tradicional corso da Rua XV de Novembro, dos Chás Dançantes, do bondinho que deslizava suavemente pela Rua Barão do Rio Branco, dos engenhos de erva mate, do Convento dos frades Franciscanos da Igreja do Senhor Bom Jesus e dos respeitosos choferes dos carros de praça com ponto na Praça Tiradentes? Sem esquecer, é claro, do ambiente acolhedor do referido Cassino Ahú, com apresentações de renomados cantores como Francisco Alves, Carlos Galhardo, Dalva de Oliveira, Aracy de Almeida, do pianista Benê Nunes, bem como dos artistas locais, Humberto Lavalle, Dirá Lissa e tantos outros. Vou contar uma passagem em que será o personagem desta crônica um frequentador do aludido cassino omitindo de prepósito seu nome, porque já é falecido e não tenho autorização de dizer quem é. Só posso detalhar que ele era frequentador assíduo do Cassino Ahú e portanto não cultivava o hábito de usufruir da luz solar. Sua tez era branca como leite e sob os reflexos dos holofotes do cassino lhe proporcionava uma tonalidade pálida, quase amarela. Daí porquê seu apelido de “Amarelinho”. E por ser figura conhecida e querida por seu refinado trato era conhecido por empregados e frequentadores do local. Mas não era um qualquer, pois estudava Direito na mais antiga Universidade do país. E no período universitário foi frequentador do cassino até completar o curso superior, tendo rompido seu cordão umbilical com a “noite” quando casou e foi nomeado Promotor de Justiça para uma comarca do interior do estado. Desde então, profissionalmente falando, “Amarelinho” cumpriu as regras da carreira percorrendo ao longo dos anos inúmeras comarcas onde cresceu em experiência e adquiriu toda a respeitabilidade dos jurisdicionados. Chegou em Londrina e tudo caminhava dentro da normalidade e nem o seu velho apelido mais era lembrado. Mas como “as pedras rolam, rolam e um dia se encontram” foi numa bela tarde de sol, empoeirada e quente, quando ele entrava pela porta da frente do fórum para cumprir seu segundo turno de trabalho, ouviu um chamado:
-Amarelinho! Amarelinho!
Sentiu a emoção e um arrepio percorrer sua espinha. Virou-se e deparou com um velho conhecido das noites do Cassino Ahú que estava acompanhado de uma pessoa que desconhecia. Era um crupiê, sujeito meio metido por ser saliente e provocador.
-Amarelinho, quanto tempo. O quê você está fazendo por aqui?
Não querendo dizer que era o Promotor de Justiça para não esticar muito a conversa, respondeu:
-Moro na cidade e vim buscar meu título de eleitor. E com muito jeito conseguiu se despedir alegando estar com pressa e foi direto para seu gabinete de trabalho. Recuperado do encontro e de tantas lembranças foi interrompido quando chegou o Juiz de Direito com quem trabalhava:
-Doutor, poderia presidir uma audiência em meu lugar? Necessito dar uma chegada no banco e não posso atrasar o ato.
-Claro, sem problema.
-Ótimo. É uma Carta Precatória oriunda de Curitiba para ouvir uma testemunha que reside aqui em Londrina. Trata-se de um crime de homicídio praticado na Capital e o réu e seu advogado vieram participar da audiência.
-Pode deixar comigo.-respondeu o Promotor.
O Juiz agradeceu e se retirou. Na hora da audiência o escrivão criminal avisou o Promotor e ambos se dirigiram à sala respectiva. Quando o agente ministerial entrou no recinto deu de “cara” com seu conhecido do Cassino Ahú, sentado em uma cadeira ao lado da mesa da audiência, tendo ao lado o seu advogado. Suou frio mas manteve as aparência, enquanto o crupiê de olhos arregalados acompanhava todos os seus
passos. Daí, quando o “Amarelinho” parou na frente da cadeira do Juiz e sentou, o seu conhecido não se contendo de alegria e com os olhos cheios de lágrimas, agarrou no braço de seu advogado e gritou:
-Tamos salvo, doutor! Tamos salvo!!
“Quem não tem histórias da profissão para contar, quer como protagonista ou por ouviu dizer, de duas uma: ou viveu dentro de uma redoma ou vivenciou cada minuto para jamais esquecer. Estou no segundo pacote pois gostei tanto do que fiz, que na sei até agora se um dia trabalhei.”