Noite tenebrosa
Dá muita pena dessa gente que usufrui do Poder Público como se fosse sua propriedade; tem cartão corporativo pessoal para efetuar despesas que são pagas com o dinheiro do Estado, sem necessidade de prestar contas nem para o TCU; viaja de avião quando quiser com o companheiro de alcova em périplos pelo mundo afora; usufrui da residência presidencial sem nenhuma parcimônia e mesmo, assim, passa uma noite inteira sem dormir por preocupação atroz. Alguém com certeza já sabendo quem é essa pessoa deve ter ficado sobressaltado : não é possível, o quê poderia atrapalhar o sono sempre sereno desta humilde pessoa? Também seu cúmplice resolveu, dias depois, falar sobre o tema para mascarar o insucesso de sua administração. Mas o que perturbou tanto a paz destes pombinhos? Talvez o massacre que estão vitimando os índios Ianomâmi ? As vítimas inocentes nas favelas cariocas que são abatidas por balas perdidas na guerra de policiais e traficantes? Talvez condoídos pelos que estão morrendo por causa da proliferação da dengue? Com certeza para os excluídos que estão morrendo de fome? Não, não mesmo. A moçoila Janja tendo ao seu lado o ministro das Causas Perdidas do governo do maridinho, numa live que fez para quem quisesse ver, declarou chorosa, com olhos arroxeados como prova de uma noite mal dormida, que passou muito mal em razão da morte de um pet, obra do descaso de uma companhia aérea. Fato noticiado com ênfase pela gloriosa imprensa do país e tomou meia hora com comentário ácido e lamentoso do jornalista Barão, da rádio BandNews diretamente de Nova Iorque. A ANAC fez uma reunião emergencial para redigir às pressas um protocolo que deverá ser observada por todas as companhias aéreas sobre os cuidados para transportar em aviões os animais. Foram três ou quatro dias de agito em razão da morte do infeliz cachorro. Só está faltando que alguém do PSOL proponha no Congresso Nacional as mudança das estátuas de Tiradentes, herói nacional que ornamenta diversas praças do país, pela do cãozinho morto. Afinal o Brasil vive o seu mais glorioso período de inversão de valores. Claro que as circunstâncias e o descaso que gerou a morte do animal é reprovável, porém o exagero pela indignação causada extrapolou os limites de razoabilidade. Pois estão ocorrendo episódios muito mais sérios e relevantes que envolve vidas humanas, mas que não têm a repercussão como a do caso em comento. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Nao se pode comparar a vida de um animal com a do ser humano, nem o valor de um cientista com a de um jogador de futebol. Tudo deve ser dimensionado levando em conta a importância de cada um dentro do contexto social. No Brasil a importância de ter um animal de estimação parece que modificou o próprio relacionamento entre as pessoas, pois ouvi de um tutor de cachorro “que a visita que não gostar dos meu filhote na sala de minha casa, é favor que nem apareça.” Nem tanto o céu, nem tanto a terra e nem tanto o mar; é preciso ter consciência para harmonizar a convivência sem agredir o bom senso das pessoas. Vamos, sim amar os nossos animais sem exagerar na dose, porque eles vivem para nos agradar e dar exemplos de fidelidade, mas não podemos prescindir dos parentes e dos amigos por causa deles…
“Um animal de estimação para o dono é uma joia rara, mas sua morte jamais se assemelha com a de um ser humano. Todo animal deve ser protegido para não ser maltratado, pois tem vida, sente dor e fome. Mas jamais deve substituir e nem estar nivelado com quem pensa. É tudo uma questão de bom senso.”