Nos Dias de Hoje Nem Fantasmas Aguentam.
Lembro quando meu saudoso pai contava em família “causos” de assombrações com riquezas de detalhes que chegava a dar dor de barriga. Era comum às pessoas mais velhas narrarem episódios de almas penadas e acontecimentos sobrenaturais. E quem ouvia até poderia não acreditar, mas sempre dizia para justificar seu temor que a “vida é um grande mistério nunca desvendado”.
Acho que era uma maneira de fugir pela tangente. Estes relatos aconteciam quase sempre quando a família (avós, irmãos, cunhados, tios, primos e sobrinhos) se reunia nos finais de semana, fato raro de acontecer hoje em dia.
E como não tinha televisão, só rádio, as conversas eram intermináveis, entremeadas pelo almoço, café da tarde, joguinho de buraco ou truco, fofocas de uns e outros, política, futebol e pequenas rusgas de aborrecimentos passageiros, principalmente entre os irmãos. As crianças brincavam no quintal da casa, ao ar livre, e só entravam para participar da conversa dos adultos quando ficavam sabendo que era hora de contar histórias “de fantasmas”.
Cada criança ficava mais próxima possível da mãe para se sentir protegida. Mas não arredavam os pés do lugar. Certa vez meu pai contou que no Sanatório “São Sebastião” da cidade da Lapa, destinado para internamento de doentes tuberculosos, ele na condição de administrador do estabelecimento morava com a família em uma das casas construídas para alguns poucos funcionários e também para o diretor-médico.
Ao todo eram seis casas de madeira que até hoje resistem à intempérie do tempo. O Sanatório ficava uns cinco quilômetros da entrada da cidade e o trajeto era feito de carroça com tração animal, a cavalo ou de automóvel.
E tinha um guardião, homem de cor negra, alto, forte que dia e noite percorria a cavalo o imenso terreno do hospital para evitar que pessoas estranhas entrassem que não fosse pelo portal da entrada.
E às vezes até impediam que internos saudosos de casa, fugissem antes da respectiva alta médica. A tuberculose se não for adequadamente tratada leva ainda hoje o paciente a óbito.
O hospital fora estrategicamente construído na Lapa graças ao ar puro da região. Pois bem, o guardião tinha um irmão mais moço que estava hospitalizado por ser portador da doença. Em uma determinada noite meu pai tinha descido do trem, que passava nas imediações, vindo de Curitiba onde fora receber o dinheiro para o pagamento dos funcionários.
Época que não existia banco. Ele transportava o numerário em uma pasta de couro e caminhava em direção ao hospital quando se deparou com o guardião, vestindo uma capa, própria para dias de chuva, pois chegava quase na altura das suas botas.
E como se conhecia, meu pai perguntou:
- O senhor foi à cidade?
- Era para ter ido, o diretor me fez o pedido de uma encomenda, mas cheguei na metade do caminho e voltei.
- Por quê, aconteceu alguma coisa?
- Acho que meu irmão morreu...
- ?
- Um vento estranho batia na lateral de minha capa e esta parecia “cutucar a minha perna”.
É um sinal; acho que meu irmão faleceu e ele estava-me “avisando” para voltar!
E aquele “presságio” se confirmou. O irmão do guardião havia morrido naquela noite.
No final do relato as crianças estavam agarradas em suas mães, os adultos se entreolhavam e depois vinham os comentários mais sortidos. E de quando em quando sempre tinha alguém com uma nova história de assombração na ponta da língua.
Com a modernidade gerada pela tecnologia, escancarando a violência do dia a dia e os crimes hediondos friamente reproduzidos nos noticiários da TV; sem falar das drogas malditas retratadas em novelas e filmes, com jogos eletrônicos que mexem com o psique das crianças, adolescentes e adultos é claro que até os fantasmas e casos de terror de “ontem” perderam a graça.
A vida e a morte foram banalizadas que até os fantasmas de verdade se aposentaram...
“Hoje sentir medo mesmo, é só dos bandidos, loucos e inconsequentes. Jogos eletrônicos, noticiários da TV, novelas, drogas e crimes inimagináveis deixaram o sobrenatural no chinelo. Ninguém mais conta fatos que causam medo. Até por isto até os fantasmas de verdade se aposentaram!”
Edson Vidal Pinto