Nossas Crianças
Lendo a "Seleções Reader's Digest" deparei com uma nova seção intitulada "Essas Crianças .." e logo me deu impulso para escrever também sobre elas. É a primeira vez que volto meus olhos ao passado para escrever sobre os filhos, quando a carreira profissional nos levava com a família para morar nas comarcas do interior do estado. Época em que muitos de nós que nascemos e nos criamos na capital fomos enfrentar um mundo de expectativas, aventuras e incertezas. Distantes de nossas famílias consanguíneas estávamos no auge de nossa mocidade, a grande maioria de juízes e promotores de Justiça que davam os primeiros passos na respectiva carreira ou eram recém casados ou casados de pouco tempo e os filhos eram ainda pequenos. Eles sofreram toda a sorte de adaptação, com mudanças de uma comarca para outra, como consolo tiveram sem saber o privilégio de viver em espaços amplos, com segurança e maior liberdade.
Dentre tantas crianças, filhos de queridos colegas, veio na lembrança um menino sapeca de cinco anos de idade, de nome Juliano, filho do então promotor da comarca de Xambrê, João Carlos Rodrigues Gomes e de sua esposa Lúcia , estes atualmente residentes na cidade de Rolândia, onde ele está aposentado e advogando. Na época, eu era promotor em Umuarama, cidade localizada há vinte e quatro quilômetros de Xambrê. E por estar mais tempo em atividade e ter auferido bagagem e experiência profissional era procurado para dirimir as dúvidas de meu vizinho. Desses contatos nasceu a amizade entre nossas famílias. E como tínhamos um outro amigo comum, o promotor Saulo Ramon Ferreira, recém casado, que tinha sido substituto em Umuarama, mas que tinha sido recém promovido para a Comarca de Santa Isabel do Ivaí, fomos por este convidados a compartilhar juntos um final de semana nesta última cidade. Meus filhos eram também pequenos. O pernoite do sábado para o domingo foi na casa do anfitrião onde ficamos acantonados. A reunião era motivo para muita conversa e alegria.
No domingo fomos almoçar no Clube da cidade onde se reunia a sociedade local. Clima quente, solo arenoso, a piscina com um trampolim olímpico era a área mais cobiçada pelos sócios. O restaurante estava localizado nas proximidades da piscina. Sentados, aguardávamos para ser servidos quando ouvimos murmúrios, risos e aplausos . Quando pela janela olhamos para o alto vimos o pequeno Juliano, de pé bem na ponta do trampolim, totalmente à vontade, com a calça arriada até os pés, fazendo xixi diretamente na piscina. E o pior: "fazendo pontaria" para todos os lados! Hoje, ele é homem feito, casado e pai de filhos.
Dentre outros episódios que poderia descrever é justo que fale de meu primogênito : o Luiz Gustavo. Eu era promotor da tradicional comarca da Lapa, meu filho tinha um pouco mais de três anos de idade. Morávamos na rua Coronel Eduardo Corrêa, atrás da Igreja Matriz de Santo Antônio, caminho para a Gruta do Monge. A Coca Cola fazia uma campanha que consistia na troca de tampinhas da bebida, desenhadas com figuras infantis do Walt Disney, por miniaturas de plástico. Com paciência de mãe minha mulher mostrava os bonequinhos e ensinava os nomes de cada personagem. Era hábito, no final do expediente forense, que ambos fossem me buscar de carro. Meu outro filho Luiz Rodrigo, não era nascido. O gabinete da Promotoria ficava no andar superior do antigo prédio do fórum, de frente para a rua das Tropas e tinha uma sacada, cuja porta de acesso ficava aberta para circular o ar. Ar condicionado era sonho. Em uma destas tardes minha esposa estacionou o carro ao lado da calçada, em frente ao fórum, onde alguns serventuários faziam uma rodada de chimarrão. Em seguida abriu a janela do veículo e meu filho tirou metade do corpo para fora e gritou aos quatro ventos:
- Pateta ! Pateta ! Pateta !
Os funcionários ouviram e comedidos como bom lapianos apenas esboçam rápido sorriso. Minha mulher, refazendo-se do susto, explicou ao rebento que ele não poderia chamar o pai de Pateta, porque mesmo sendo o Pateta amigo do Mickey, a palavra era o mesmo que chamar alguém de bobo. Quando terminou de explicar perguntou se ele tinha entendido e pediu para não repetir. Ele pensou um pouco, refletiu bem, voltou a tirar metade do corpo para fora da janela do automóvel e gritou:
- Batman ! Batman! Batman !
Ouvi risadas porque nem o mais tradicional dos lapianos resistiria à cena protagonizada pela inocência de uma criança. Eu mesmo ri comigo mesmo. Fechei a porta da sacada, a porta do gabinete, desci rapidamente as escadas e quando cheguei no carro dei o maior abraço no meu filho! Recordação que agora divido com aqueles que me honram com as leituras de minhas crônicas. Este meu filho, completou quarenta e cinco anos de idade, é um conceituado advogado, casado e pai de minhas duas e adoráveis netas. E com certeza, todos nós que militamos profissionalmente pelas comarcas do interior do estado, temos mil histórias para contar de nossos filhos. Tudo com saudades, lágrimas nos olhos, mas com a certeza do dever cumprido!