O Dia D
Qualquer um sabe que o dia “D” foi estrategicamente escolhido pelo Alto Comando do Exército Aliado na II Guerra Mundial para a invasão da Normandia, iniciando, assim, o começo do fim do império nazista. Foi uma data significativa porque marcou uma página da História com demonstração única de quão intolerante e doentia possa ser a mente de um homem dissimulado. Hitler foi o Átila do Mundo Moderno. Mas espera aí, não sei porque estou tão azedo e nem porque estou fazendo esta introdução na minha crônica só porque tenho de marcar o dia e o horário para enfrentar o meu dentista. É claro que marcar a consulta será o meu dia “D” de desgosto, dissabor e desespero.
Explico : homem não tem medo e portanto eu tenho um receio danado de enfrentar a trepidante e torturante maquininha do odontólogo. Não sei se é trauma e nem quero saber para não ficar com neura mas com certeza deve ser “coisa” de vidas passadas. Desconfio que fui cliente do Tiradentes em alguma trecho perdido da estrada de Vila Rica nas Minas Gerais, quando era tropeiro e não tinha ninguém melhor para tratar meus dentes quando doía. Só pode ser. E tudo porque caiu uma obturação antiga quando eu comia um biscoito de ar -, acidente comum de quem é jovem e goza de ótima saúde. Finjo para não chorar. Estou segurando bem na frente de meus olhos o calendário para “invadir” o consultório do dentista de surpresa, não aviso com antecedência para ele não me preparar alguma armadilha e nem engendrar um tratamento dolorido.
Chegar de supetão inibe e deixa o profissional acuado e sem muita ação, pois atrapalha toda a agenda do dia e ele tem que se apressar para atender outros clientes. É tudo “ vapt vupt “ sem muita conversa e direto no ponto crítico. E com isto eu suo menos e abro a boca apenas uma vez. Esta técnica estou repassando para colaborar com pacientes que se sentem torturados na masmorra de um castelo medieval quando tem de ser atendido por um dentista. Fico olhando o calendário e consultando no Google para saber quando vai chover e esfriar pois só assim terei certeza absoluta que ele pensará apenas em atender os clientes agendados para o dia, pois ninguém sai de casa num dia chuvoso.
Pois é nesse dia que irei só para incomodar e me vingar do tempo que ficarei à mercê do meu algoz. Hum, pelo visto só vai chover e esfriar na próxima sexta-feira e portanto fica desde já marcado como o meu dia “D”. Não é querer ser implicante e nem chato com o meu dentista que por sinal é um sujeito educado e muito competente, meu tratamento com ele seria o melhor possível se ele fosse Comissário de Bordo de um avião de rota internacional ou gerente de parque de diversões, mas ser profissional que trata de dentes alheios não me parece opção válida. Pelo menos na minha opinião porque tenho pavor de tratamento dentário. Levo comigo na consulta e uso um colete comum em clínica psiquiátrica que prende os braços na barriga, para não acertar nenhum soco inesperado no dentista quando ele me manda abrir a boca. Pois também sou educado e não sou agressivo. É mera precaução para não lesar a integridade física alheia. Bem o dia “D” já está marcado e até lá vou deixar a língua ficar cutucando o buraco da obturação que caiu. É o ônus que tenho de aguentar até invadir o território inimigo …
“Não é dramatizar o dia de consultar o dentista que escrevi esta crônica; é pavor mesmo. Talvez trauma de vidas passadas. Todos nós temos nosso dia “D”. O meu é toda vez que o dentista diz : “Abra a boca!”
Édson Vidal Pinto
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