O Engenho de Erva Mate
Quem percorrer a rua Marechal Floriano Peixoto, vindo do bairro para o centro, após atravessar a rua Visconde de Guarapuava e olhar para o lado esquerdo, nem vai imaginar que após o antigo casario da esquina (que tinha o nome de “Pensão Floriano”), funcionava o engenho de erva mate de propriedade do engenheiro e professor universitário Algacyr Munhoz Mader. A construção imponente do engenho tinha ao lado um enorme portão de ferro, que dava acesso ao pátio interno onde as dezenas de carrocinhas, puxadas por cavalo, transportavam os sacos de erva mate que chegavam na estação ferroviária de Curitiba e depois de beneficiados eram ou ensacados ou colocados em barris de madeira, para serem levados à mesma ferroviária com destino aos navios em Paranaguá, para serem exportados à Argentina e Uruguai; e por trem para São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Naquela época o mate para chimarrão e tererê era, depois do café e da madeira, o principal produto da economia do estado. E nos fundos, logo após o pátio onde os carroceiros e os animais muitas vezes paravam para descansar, tinha um enorme casa de madeira que servia de residência para o gerente e contador da firma, Alfredo Ribeiro, que era casado com Alayde Stinglin Ribeiro, meus tios, ela irmã de minha mãe. Passei grande parte de minha infância na casa de meus tios, pois eles tiveram um único filho que não era mais adolescente, e por serem meus padrinhos me levavam para dormir nos finais de semana. E por isto testemunhei a época (década de cinquenta) de ouro da erva mate, a concorrência com outros engenhos da Capital, e conheci de perto a rigorosa fiscalização que era feita pelo Instituto Nacional do Mate, um órgão importante da administração federal, cuja sede ocupava um dos andares do “Edifício Demeterco”, na praça Zacarias. Sei de tudo isto porque minha tia era funcionária federal, no cargo de tesoureira, do referido Órgão Público. O engenho depois de beneficiar a erva mate e também para vender no varejo acondicionava o produto dentro de uma pequena caixa de madeira, que era aberta pelo usuário empurrando para um dos lados a tampa superior, que deslizava por dentre dois sulcos existentes na parte interna, e abria sem nenhum esforço. Na face externa da tampa estava escrito: “Mate Indaiá” - produzido por Jordão Mader & Cia. Ltda (o Jordão era filho do Prof. Algacyr). O maior cuidado era a prevenção de incêndio por ser de alta combustão a erva mate, depois de seca. Dentro do engenho enormes pilhas de sacos da erva “in natura” que eram armazenados aguardando o processo mecânico do beneficiamento. O cheiro era forte, mas não enjoativo, e sempre um pó muito fino pairava por todo o interior da construção. O serviço só era interrompido no final dos sábados, pois domingo era dia de descanso. Nestes dias então, no pátio do engenho, o meu primo Luiz Carlos Ribeiro reunia os amigos do “bairro” para a tradicional pelada de futebol, lembro que dentre os “jogadores” sempre estavam presentes o Jamil Lourenço, o Carlito (filho do dono da Churrascaria São João), o Jairo Campos Sales, o Jaime Lerner e tantos outros cujos nomes não trago mais na memória. E as vezes jogavam também vôlei. Curitiba não era como hoje, a população não chegava a quatrocentos mil habitantes , as pessoas se conheciam ao menos de vista, as famílias muito mais ainda, na Marechal Floriano passavam os bondes, as lotações, os fordinhos, chevrolet, Studebaker, Morris, Dodge, Cadilac e não existiam veículos nacionais. Tinham poucos edifícios e dava para contar nos dedos, poucos anúncios luminosos, mas o principal deles estava num prédio da Praça Zacarias, era propaganda da Caixa Econômica Federal, onde tinha a figura de um cofre e as moedinhas, em perfeita sincronia com o contorno luminoso em forma de moedas, apareciam de um lado do painel, andavam e caíam na abertura existente no teto do cofre. Hoje, ficou bem para traz o ciclo da erva mate, embora nos municípios vizinhos da cidade da Lapa, ainda existam muitos cultivadores do produto, e naquela cidade parece que ainda funciona o engenho do saudoso Sr. Alexandre Weinhardt Silveira
que produz o famoso “Mate Legendário”. Espero que estas minhas reminiscências sirvam para uma leitura domingueira leve, com cenários que possam despertar curiosidade e para uma reflexão de que tudo passa, a vida é curta e por isto é importante saber viver…
“Fecho meus olhos e vejo no pátio do engenho de erva mate os carroceiros, de pé, em cima de suas diminutas carroças, levando sacos do produto, em direção a Estação Ferroviária de Curitiba. O vai e vem destes carrinhos, puxados por um só cavalo, era frenético, dezenas destes condutores ganhavam deste modo o pão de cada dia. Uma profissão que não existe mais. Era o retrato da provinciana Curitiba e seus empreendedores.”