O Esconderijo.
O maior problema que tem o profissional de qualquer carreira que tem como condição trabalhar temporariamente nas cidades do interior do estado, sem duvida alguma é onde morar.
Para quem é solteiro às vezes a solução encontrada é alugar um quarto de pensão ou hotel. Porém para os casados alugar uma casa nem sempre é fácil, pois são poucas ofertas e muitas procuras. Sou da época em que Juízes e Promotores eram obrigados a residir nas comarcas inclusive com a família, regra que era vigiada de perto pelas Corregedorias.
E as casas nem sempre eram de material e nem tinham aparências muito desejáveis, pois eram simples, mal conservadas e o assoalho quase sempre servia de pista de corridas para as baratas. Estas quase sempre eram bem nutridas pelos tamanhos gigantescos que tinham.
Ah, sem contar os ratos que quase sempre morriam esmagados por uma ratoeira que era jogada com o bichinho na lata de lixo. Ser esposa de Juiz e Promotor tinha seus desafios e sacrifícios. Sem contar que muitas delas tiravam água do poço, não tinham telefone e televisão -, eram donas de casa e responsáveis pela criação dos filhos. Foram heroínas anônimas e companheiras de mil batalhas, aventuras e tragédias. Cada uma tem a sua própria história.
Pois é, falei da casa de moradia porque hoje peguei um livro de minha biblioteca em que sou o autor, intitulado “Flagrante do Mundo Jurídico” (Crônicas do Cotidiano Forense), da Juruá Editora, 2.017, para reproduzir um episódio em que foi protagonista o ilustre Des. Sérgio Rodrigues, hoje aposentado e residente na cidade de Maringá. Somos amigos e colegas, pois trabalhamos juntos no extinto Tribunal de Alçada e também no Tribunal de Justiça, sendo que neste último tive a honra de ter sido escolhido pelo mesmo para ocupar a sua vaga no Conselho da Magistratura, quando ele se afastou por problema de saúde. E naquele Conselho permaneci por cinco anos.
É por sentir saudades de meu amigo que vou contar um trecho de sua vida funcional que está registrado no meu livro. Aprovado no concurso da Magistratura Sérgio iniciou a sua carreira como juiz Substituto da Comarca de Bandeirantes, cidade do Norte Pioneiro, mesmo sendo solteiro, na época, alugou uma única casa disponível na cidade.
Localizada quase na periferia, em lugar ermo, apesar de ser de material, era velha, sem pintura, com certo ar de abandono. Sendo construção antiga, a parte habitável da residência estava assentada sobre paredes de tijolos, existindo um vão livre entre o solo e o assoalho.
Nos primeiros meses nunca observou nada estranho. De repente, na cidade, começou uma onda de pequenos furtos. Além disso, aconteceram outros fatos de repercussão que agitaram a vida da cidade. Cioso de suas obrigações e procurando se desincumbir das tarefas forenses, com regularidade levava processos para casa e ficava estudando noite adentro.
Coincidência ou não, é certo que, com o aumento da criminalidade começou a perceber da escrivaninha em que ficava sentado, localizada em um dos quartos, um vulto que passava de madrugada pela janela e desaparecia. Varias vezes foi até a janela e não via nada além da escuridão da noite.
Preocupado contou para alguns funcionários do fórum e estes lhe aconselharam a comunicar a polícia. Porém como não ficava bem para uma autoridade demonstrar receio, não tomou nenhuma providência. Mas de quando em quando o vulto aparecia na janela de sua casa.
Até que um dia a polícia prendeu o ladrão que estava colocando a cidade em polvorosa; era um sujeito perigoso, atrevido e tinha um extenso rol de antecedentes criminais.
Levado à presença do delegado, este interrogou o meliante:
- Seu nome?
- José de Oliveira Barata.
- Alcunha?
- Zé Desgraça.
- Reside em que lugar?
- Aqui mesmo na cidade.
- Onde?
- Na casa do meritíssimo Juiz!
E assim o mistério do vulto foi esclarecido. É verdade: pois quando a polícia procedeu a diligências no lugar indicado encontrou, sob o assoalho da casa do Magistrado, o esconderijo do fora da lei, bem instalado com luz de velas, caixote que servia de mesa, cama de armar, bebidas, bolachas e dezenas de objetos furtados.
Sem duvida era um lugar seguro para o Juiz e para o ladrão: para o primeiro porque a casa estava bem guardada pelo pior dos “ladrões” que jamais furtaria a casa onde “morava”; e para o segundo porque seu esconderijo era em uma casa acima de qualquer suspeita.
E por ser verdade é que registro mais este fato pitoresco, acontecido neste mundo maravilhoso de becas e togas, onde o formalismo contrasta com a realidade do cotidiano...
“Cada profissional tem um mundo de histórias que ouviu ou protagonizou. Felizes são aqueles que têm muito a contar, porque vivenciaram momentos inesquecíveis. E quem chega no final da jornada e nada tem nada a dizer ou escrever, é porque com certeza não deixou rastro algum!”
Edson Vidal Pinto