O jjuiz, O promotor e O padre.
No final de 1.969 (dezembro) quando ainda estava Promotor de Justiça Substituto da Secção Judiciária da Comarca da Lapa, em exercício na Comarca de São João do Triunfo, recebi um telegrama via rádio da delegacia de policial local informando da minha promoção (por merecimento) para titular da Promotoria de Justiça da Comarca de Carlópolis na região do Norte Pioneiro do Paraná. No referido comunicado o então Procurador-geral de Justiça Prof. Ary Florêncio Guimarães recomendava que eu assumisse de imediato e fizesse a comunicação de praxe. Nem sabia onde ficava Carlópolis e tive que procurar no mapa do estado até achar; a cidade ficava próxima de Joaquim Távora, divisa com o estado de São Paulo, cuja cidade era Fartura.
E assumi na minha nova cidade no dia 02 de janeiro de 1.970, com as férias forenses cassada de acordo com o figurino da época. Como era solteiro (noivo) me hospedei no único hotel do local, de alvenaria, onde no piso inferior funcionava uma “máquina” de café (compra e venda de sacas de café in natura). e na parte de cima o proprietário alugava quartos para viajantes. Fiquei no melhor quarto (com três camas de solteiro) e com uma sacada que dava fundos para a Igreja principal da cidade. O fórum estava localizado no prédio da Prefeitura Municipal onde o “prefeito” era um Tenente-Coronel pois o Município estava sob intervenção federal vez que o titular fora cassado por corrupção. A Comarca não tinha Juiz de Direito (cargo vago) e quem atendia uma vez por semana era o Juiz de Joaquim Távora. O manda-chuva de fato era o escrivão cível, de nome Praxedes, pois era compadre de meia dúzia de desembargadores e tinha as costas bem quente. Um homem de idade, quase cego, e muito folclórico. Quatro meses depois foi nomeado o dr. Ary Dorival Mazer como Juiz de Direito da Comarca e logo colocou o “seu” Praxedes no devido lugar. O dr. Ary tinha deixado a família em Londrina, onde residia e suas duas filhas menores estudavam, tendo se hospedado no mesmo hotel onde eu estava, mas como o único quarto habitável e em condições era o meu, cedi uma das camas para ele. Fazíamos nossas refeições na única churrascaria da cidade, trabalhávamos o dia inteiro no fórum, e depois da janta ficávamos sentados na varanda. E por volta das 20:00 horas víamos o pároco deixar a sua casa, localizada nos fundos da igreja, para dar aula no ginásio. Com o passar do tempo ele nos cumprimentava e nós dois da sacada respondíamos a gentileza do gesto. Numa noite, o Padre pediu para subir na nossa sacada e com a concordância nasceu entre nós uma amizade espetacular. O sacerdote era alemão, tinha sido Capelão do Exército na II Guerra mundial tendo acompanhado os soldados na Campanha da Rússia, também era matemático e astrônomo. Daí então, todas as noites, depois da aula, o padre Carlos Staimel participava conosco de uma animada conversa e contava histórias e sofrimentos da guerra. Uma noite ele apareceu com uma luneta (profissional) e desde então passou a nos ensinar os mistérios do cosmos. É claro que nossas reuniões passaram a servir de comentários por toda a cidade pois era inédita a amizade de um Juiz, do Promotor e de um Padre.
O Padre Carlos tinha um defeito em uma das pernas e por isto mancava quando andava, uma noite ele contou que o exército estava nas portas de Moscou quando ocorreu uma contraofensiva violenta e os oficiais então deserdaram de seus postos, ficando os soldados sem saber o que fazer. Ocorreu o recuo das tropas e os russos passaram a atacar os invasores sem dó e nem piedade. O padre Carlos pegou carona num caminhão repleto de soldados e a noite, paravam cansados no meio das estradas nevadas, para um rápido descanso. Em uma destas ocasiões dormiu sobre a lona que servia de teto para carroceria do veículo quando então sentiu um dor aguda na nádega e desmaiou. Tinha sido ferido por um soldado russo que com a baioneta de sua espingarda deu um golpe, ferindo-o. Foi salvo porque pelo distintivo do seu uniforme foi identificado como sendo Capelão Militar, tendo sido tratado em um hospital pelos inimigos. É por isto que mancava. Ah, quando olho as noites estreladas e vejo a lua refletindo os raios do sol, confesso que tenho saudades daqueles meus dois amigos, dos nossos bate-papos na sacada do hotelzinho do japonês “seu” Paulo, da querida Carlópolis e de sua gente simples. Quem um dia viveu numa cidadezinha interiorana com certeza nunca esquecerá destes momentos, pois o tempo custa a passar, mas quando passa deixa saudades para toda a vida…
“Carlópolis foi minha primeira comarca como Promotor de Justiça titular, numa época em que só três ruas eram asfaltadas. Na região tinha o famoso bicho “barbeiro” transmissor do mal de Chagas, uma doença letal. Hoje a cidade é polo turístico, com bons resortes e ideal para os esportes náuticos. Consequência da Represa de Xavantes que lhe deu novo visual”