O Juiz, o Promotor e o Padre.
Em 1.970 assumi a Promotoria da Comarca de Carlópolis, cidade do Norte Velho localizada na divisa do Paraná com São Paulo, localizada entre Joaquim Távora (PR) e Fartura (SP). Quando cheguei à comarca não tinha Juiz de Direito, o Juiz de Joaquim Távora, Dr. Álvaro Pacoski, é que atendia os casos mais urgentes.
Como eu era solteiro, fui morar no quarto de frente, que tinha uma varanda, no único hotel da cidade. O estabelecimento estava localizado no piso superior, sendo que na parte de baixo o proprietário explorava um depósito de compra e venda de cereais. Meu quarto era amplo, tinha três camas de solteiro, uma escrivaninha e um armário para colocar roupas.
O hotel era pequeno e contava ao todo com apenas cinco quartos para hóspedes, com um só banheiro coletivo. Pela manhã era servido um magro café, com leite, pão, manteiga e mel, numa sala em que os hóspedes podiam tentar assistir televisão. Estava sempre lotado pelos vendedores que por ali circulavam nos dias de semana a fim de suprir o comércio da região.
Da sacada eu avistava na frente, do outro lado da rua, os fundos da Igreja Católica e ao lado dela a praça municipal. Eu almoçava e jantava em uma churrascaria, ponto de parada da linha de ônibus que se destinava a São Paulo.
Uns três meses depois de minha chegada, quando estava almoçando, aproximou-se de minha mesa um rapaz que estava acompanhado do garçom, este estão me apresentou a pessoa:
- Dr. Promotor, esse é o novo Juiz da Comarca. Depois das apresentações eu pedi que ele puxasse a cadeira e sentasse.
Enquanto almoçávamos ele me disse que se chamava Ari Dorival Mazer, era casado, e morava em Londrina, onde estava sua família e duas filhas menores que estudavam no colégio daquela cidade. E que por isto não iria trazer à família.
Explicou que não tinha onde se hospedar porque o hotel estava lotado. Disse-lhe que no meu quarto tinham duas camas vagas. Ficamos ambos sem graça, mas foi à única maneira para acomoda-lo até vagar outro quarto do hotel. Fizemos desde logo uma amizade que perdura até hoje. Resolvemos repartir as despesas e passamos a residir no mesmo quarto. Toda a noite ficava conversando na sacada e víamos o Padre sair para dar aula.
Ele lecionava no ginásio Estadual. No início ele nos cumprimentava e nós retribuíamos com acenos. Depois ele perguntou se poderia subir na sacada para conversar. E assim nasceu uma amizade inesquecível. O Padre Carlos Staimel era de nacionalidade alemã, ele lecionava matemática e física, além de ser um excelente astrônomo. Quando terminava de dar aulas, subia na sacada e ali ficávamos horas conversando.
O Padre tinha sido soldado (Capelão) do Exército Alemão e destacado no front russo. Ele contava episódios da II Guerra, o sofrimento que viu e assistiu o ferimento que teve com um golpe de baioneta, desferido por um soldado russo, que lhe deixou com um defeito em uma das pernas. Em muitas ocasiões levou a sua luneta e nos ensinou.
A conhecer os astros e os planetas. A cidade toda comentava da amizade do Padre com o Juiz e o Promotor. Nós três achávamos graça e brincávamos sobre isto. Nunca fui tanto à Missa como naquela época, não podíamos desprestigiar o nosso amigo Pároco. Também nunca comi tanta hóstia açucarada e tomei vinho do Padre com tanto gosto.
Foi o Ari o primeiro a deixar a comarca, pois foi removida para Andirá, cidade próxima de Londrina. E no final daquele mesmo ano fui eu, removido para Jaguapitã. Hoje lembro com saudades daquele tempo, em que as estradas não eram asfaltadas, o telefone era precário, a televisão estava na fase embrionária, às acomodações deixava a desejar, os jurisdicionados eram respeitosos e as amizades sinceras.
Sei que o Padre Carlos está morando nas estrelas e que o Ari, também aposentado, vive com sua querida família em Londrina. E eu aqui, com minha família, escrevendo “causos” e lembrando de vez em quando, de um tempo que não volta mais...
“O profissional que fez carreira, morou nas cidades do interior e não tem histórias para contar; com certeza apenas passou por elas, mas não viveu e muito menos deixou rastros de suas pegadas!”
Edson Vidal Pinto