O perigo de gostar
Falam tanto que para combater o vírus da mamona assassina as pessoas têm que ficar em casa sem trabalhar, só assistir TV, ler e comer, que se a moda pegar de fato as ruas das cidades vão ficar entregues definitivamente aos mendigos. Sim, porque não trabalhar para muitos é tudo de bom na vida, e os melhores exemplos são os petistas, sindicalistas e os sem terras.
Não incluo os políticos porque eles fizeram do próprio ócio uma profissão, até com direito a aposentadoria. Mas abstraindo o que já escrevi, fico pensando em um amigo que vive para trabalhar, um empresário que ao longo de sua existência é o primeiro a chegar na sua empresa e o último a sair.
E agora, por estar na zona de risco, está sendo obrigado a ficar em casa. Não preciso dizer que está em depressão. E como ele, com certeza, milhares de outras pessoas obedientes às recomendações médicas. Dentre tantas situações reflexas da “reclusão social”, uma delas motivou a crônica do dia. Soube do inusitado porque o próprio protagonista me contou ontem, através de uma ligação telefônica que recebi:
- Alô?
- Oi, meu amigo, aqui é o João Pedro.
- Fale, João, quanto tempo, tudo bem? - perguntei.
- Putz, não aguento mais ficar em casa e estou a ponto de estourar ...
- Calma. Aconteceu alguma coisa? O Vírus?..
- Não: o maldito gato angorá de minha mulher ...
- ?
- No início até que estava tudo bem, o bichano me olhava de longe como se eu fosse um estranho dentro de minha própria casa, pode?
- É que você trabalha muito e ficava pouco em casa e o bichinho está estranhando sua presença no território. - tentei amenizar a angústia do meu amigo.
- Uma ova! Ele passou a me encarar com soberba, olhando de cima para baixo, como se eu fosse o seu vassalo.
- É normal ...
- Nada! Depois começou a miar quando me via cochilar na poltrona, só para me perturbar. Reclamei para minha mulher que o bicho estava me irritando.
- E ela?
- Brigou comigo. Disse que eu tenho ciúmes do Mimi ...
- Mimi?
- Sim, o nome do desgraçado é Mimi. Um esnobe da raça, peludo, nojento que não posso nem ver na minha frente.
- Imagino a ojeriza ...
-E ódio, meu amigo. Ódio! Sabe, ontem sem querer pisei no rabo do dito cujo e ele deu um miado tão desesperado que minha mulher me fez dormir no sofá da sala. Ela ficou tiririca de braba pois achou que eu pisei por querer.
- Puxa, que situação, hein?
- Por isso estou telefonando para você ...
- Claro, amigo é amigo em todos as horas. O que você vai fazer ?
- Vou matar o Mimi, fugir de casa e me divorciar da minha mulher, porque não aguento mais !
- Não se desespere, calma. Pense melhor, não haja por ímpeto pois o vírus passará daqui uns dias. - ponderei.
- Não, não dá mais para esperar e nem remediar ...
- Remediar? Por quê?
- Porque o gato eu já joguei pela janela do apartamento...
- Do vigésimo quinto andar?
- Sim, já arrumei minha mala e vou sair antes que a Ana chegue!
- Que loucura! E vai para onde?
- Para sua casa!! lhe importante:
- Não venha! Por favor não venha! - gritei no telefone.
- Mas... mas você não é meu amigo? Não quer me abrigar em sua casa nem por uma noite?
- Não, João Pedro, não é isso ...
- É pelo quê, então?
- É que minha mulher tem três gatos angorás ...
E meu amigo desligou o telefone sem se despedir. Deve ter ficado brabo comigo. Mas eu não poderia esconder os gatos; pena que não pude dizer para ele que estou enfrentando o mesmo drama com os três bichanos aqui de casa. Mas no fundo até achei legal a solução que ele encontrou: só não sei ao certo se ele jogou pela janela do apartamento o gato ou a mulher!?..
“Na paúra da crise gerada pelo vírus, com a reclusão domiciliar, a mente fértil de uns e outros é verdadeiro laboratório do diabo. A gente inventa até gato onde não existe e o sufoco de ficar em casa quando não é verdade. Enfim, vale tudo para matar o tempo. Só não vale judiar dos animais.”
Edson Vidal Pinto
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