O Reencontro!
Hoje, 02 de março, quinta feira.
Terminou a temporada de praia. Volto à Curitiba porque logo mais vou ter que participar da "Confraria do Barulho" com amigos do coração, meus colegas de faculdade e agregados especiais. Neste ano estaremos comemorando o Jubileu de Ouro de formatura da Turma "Prof. Lamartine Correia de Oliveira Lyra" de 1.967, da PUC/PR.
Malas no carro e lá vou eu em direção ao ferryboat. Mal cheguei do outro lado da travessia vi sentado num pequeno banco o Rei Momo, ele estava com cara de poucos amigos, sem a tradicional coroa na cabeça, vestindo bermuda, camiseta e calçando um tênis bem surrado.
Curioso, parei bem próximo e perguntei se ele se lembrava de mim, do encontro com que tivemos dias atrás lá nas Caieiras. Ele fez sinal com a cabeça de positivo. Perguntei se ele queria carona e ele concordou. Entrou e acomodou-se no banco traseiro do veículo ocupando quase todo o espaço.
Obeso e suado deixou um rastro de ranço amanteigado. Ah! Se arrependimento matasse! Mas eu não poderia voltar atrás, pois tinha certeza que a conversa até a Capital valeria a pena e seria divertida, afinal é uma oportunidade única dar carona para o legítimo rei do carnaval! Ledo engano.
Nem bem percorri o trecho Caiobá/Matinhos ele começou a lamuriar que tinha trocado a coroa para poder pernoitar em uma pensão próxima do Morro do Cristo, fez um lanche nas proximidades e teve uma diarreia daquelas! Comida mal preparada e de péssima qualidade. Não respondi para não contribuir com os detalhes. Já na rodovia que vai até Alexandra, perguntei se ele ainda lembrava as velhas marchinhas que animavam os blocos carnavalescos, ele fez de conta que não ouviu.
Olhei pelo espelho retrovisor e deparei que o Momo não estava apenas gordo demais, ele também estava velho, de cabelos brancos, rosto repleto de vincos, com dificuldades para respirar e com tosse intermitente. Achei melhor ficar mudo.
- Súdito (foi ele que falou) estou com o meu colesterol nas alturas!
Continuei calado.
- Meu triglicídeo ou coisa parecida, também!
Xô, pensei comigo mesmo, o homem vai continuar com conversa de velho, é melhor sair pela tangente:
- Majestade viu que a Portela ganhou o desfile no Rio?
- O pior é a dor nas pernas...
- A Portela levou 33 anos para ganhar!
Ele parecia que não ouvia o que eu falava:
- Súdito, a velhice é difícil de enfrentar tem horas que dá vontade de desistir!
- Ora, não seja tão pessimista! A idade chega para todos!
- Sei, sei só que estou quebrado, de tanto sambar nos bailes e nas avenidas o meu velho corpo está em pedaços! Dói minha cabeça, não escuto muito bem, enxergo pouco, não posso ver uma cadeira e tenho vontade de sentar...
- Mas Vossa Majestade é o rei da alegria, da alegria que contagia todo o povo, e não pode se entregar!
- Deixa disso, súdito. Eu quero mesmo viver o resto de minha vida em uma casa de repouso...
- Nunca! (levantei o tom de voz) O que será do carnaval? Já pensou nisso? (Interpelei com veemência)
Ele não respondeu nada. Neste momento terminou o trecho das praias e meu carro adentrou na Rodovia Paranaguá/Curitiba. Silêncio sepulcral dentro do veículo.
Mas quando estava subindo a serra e tinha deixado Morretes para trás, o Rei Momo quebrou o silencia para dizer;
- Súdito você conhece um bom calista?
-?
- É que estou com uma unha do pé que está me incomodando, deve estar encravada! (ele tirou o pé do tênis e levantou o mesmo até a altura do meu banco para que eu desse uma olhada). O chulé tomou conta do interior do carro. Tive ânsia de vomito. Não aguentei mais, parei o carro, saltei, abri a porta traseira e rispidamente gritei:
- Majestade, saia do carro!
Ele desceu sem entender ou fingia que não estava entendendo. Fechei a porta, entrei no veículo e sai dali em louca disparada. Olhei para trás e vi o Rei Momo sem nenhuma ação, do lado da pista, até que contornei um Morro e logo o perdi de vista. Abri todas as janelas para sair o cheiro que tomara conta do interior do carro e quando senti que dava, respirei profundamente!
Dali em diante até chegar ao Capanema à viagem transcorreu as mil maravilhas. Nem remorso eu tive, eu estava feliz comigo mesmo. E se alguém sentiu pena do pobre velhinho que não se acanhe, ele deve estar lá perto do viaduto dos Padres pedindo carona para qualquer outro incauto. Não se acanhe, vá buscá-lo e leve-o para sua casa e lhe dê comer até o próximo carnaval.
Ah! E por favor não deixe de levá-lo até um calista de primeira, salvo que você goste de ouvir queixas sem fim ...